Oratório Peregrino
Um oratório à maneira de um viático para tempos de carestia
Uma proposta desenvolvida em parceria com
Irmãs do Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro
XV – Maria, fiel ao amor que a conquistou
A Virgem guardou a Palavra de Deus e esta Palavra foi por vezes misteriosa.
Vivendo uma fidelidade simples como a de uma criança, recebe o tremendo impacto da Anunciação. Deus pede-lhe a sua colaboração e aceita a Palavra de Deus anunciada. O primeiro que Isabel dirá será: «Feliz de Ti que acreditaste na Palavra de Deus. Ao crer, acolheste-a».
A sua vida foi sempre fiel. Foi fiel ao pensamento de Deus e realizou-o. A vontade de Deus manifestou-se-lhe, e foi realizando a vontade de Deus segundo se ia manifestando.
Tinha necessidade de ser muito dócil para seguir os movimentos do Amor, das almas, do seu Filho, o movimento da Santíssima Trindade, até ao Calvário…
Foi fiel ao Amor que a tinha conquistado (I 11-8-45).
Maria, já Vos encontramos no nosso caminho. O Amor de Deus conquistou-Vos, pertenceis-Lhe. Quem melhor do que Vós foi testemunha do mistério do Pai, do Filho e do Espírito Santo? Quem melhor do que Vós seguiu o movimento do amor de Deus pelos homens? Escondida como estais no desígnio de Deus como mãe, nunca poderemos penetrar totalmente no vosso mistério. Mas podemos ter convosco uma intimidade cada vez maior se Vos seguirmos, se orarmos na vossa companhia, se olharmos como orais.
Maria orava com todo o seu povo. Como? Simplesmente, sob a luz de Deus. É filha de Deus Pai e está orientada unicamente para Ele. Maria não se conhece… não conhece a superioridade da sua graça, não se preocupa senão com unir-se a Deus; e é esse esquecimento de si, essa pureza o que permite a Deus derramar-se nela (MM 58): Ele escolheu-a para ser mãe de Deus e dos homens. E isso não a impede de viver com desembaraço a vida social de uma filha de Israel como as outras.
Maria, deixai-me olhar para Vós. Vendo-Vos orar descubro o que é a oração: um movimento sem reservas de todo o meu ser para Deus. Sois tão simples, tão discreta, tão humilde. A vossa vida está escondida em Deus e, por isso, quase não podemos dizer nada. Por vezes, estamos agitados, preocupados, cheios do nosso orgulho e das nossas fragilidades… Maria, ponde-me sob o vosso manto de paz. Com a pureza da vossa confiança, purificai a minha. Talvez seja esta a melhor maneira de entrar no vosso mistério: permanecer em silêncio a teu lado, escutando contigo a palavra sobre a qual se apoia toda a vossa vida.
E Deus surpreende-a com a Anunciação. Maria dá-se conta de proveniência da mensagem e, sem hesitar, dá o seu consentimento num imenso acto de fé que cria nela as capacidades necessárias para acolher o Verbo (MM 59). Crendo, acolhe-O e se entrega; é o movimento que o Espírito Santo lhe inspira. A partir desse momento, leva no seu seio o Verbo e o seu ser é atraído por Ele. Mergulha n’Ele com mais força porque fora se torna presente a angústia, a angústia das suspeitas que surgem à sua volta e que ela adivinha. Envolve-se então completamente em Deus, esperando com fé (MM 61).
É mãe de Deus e também é, desde esse momento, mãe dos homens. Leva na sua oração o imenso desígnio de Amor.
Jesus exclamará um dia: «Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe» (Mc 3, 35). Não está a honrar Maria, o que ela é, a sua alegre e dolorosa fidelidade, respondendo plenamente à chamada de Deus? Sim, Ela escuta a Palavra, acolhe-a com a sua fé e guarda-a no seu corpo, no seu coração, em liberdade, para nós, que somos irmãos de Jesus, para mim. Se perguntássemos aos que O rodeavam quem era o colaborador mais importante de Jesus, teríamos escutado: Pedro… João… Em realidade, era Maria, e ninguém se dava conta (I 16-5-59).
Maria não compreendeu tudo no momento. Mas durante toda a sua vida une-se ao movimento do Espírito. Olha para Jesus. Sabe que Ele é o Filho de Deus e o Salvador, e segue-O. Eis a chave. Quando chega a hora da Paixão, Jesus sobe a Jerusalém, e ela tem que segui-Lo. O seu olhar materno tinha penetrado nos olhos de Cristo menino, adolescente, homem… Agora, pela fé e o amor, penetra nas profundidades do homem de dores. Oferece o seu filho, entrega-o completamente… e se entrega a si mesma (MM 64).
Quando a obra parece ter-se destruído, porquê permanece ali? Porque conserva a esperança. Estás só, Maria… mas de repente, esta solidão se enche… De quê? De uma esperança viva e forte que brota do vosso coração: o Espírito Santo está contigo. D’Ele e por Ele recebeste o Verbo. D’Ele e por Ele recebes agora o Cristo total. E assim, Maria, a vossa maternidade realiza-se plenamente à medida do mundo, à medida do sacrifício de Jesus (MM 182-183).
No Pentecostes, na origem da Igreja, Maria está no meio dos apóstolos, em oração. A sua fé, a sua esperança e o seu amor heróicos precedem e dão testemunho. Escondida no coração da Igreja, Maria colabora no cumprimento da promessa.
Olhar-Vos, Maria, não basta. No meio da pobreza da minha oração e da minha vida, não basta, posso desesperar. Mãe de misericórdia, tenho necessidade de encontrar em Vós o meu refúgio.
O padre Eugénio Maria fala-nos por experiência e diz-nos: em certos momentos de tristeza, de desânimo, Maria vem a nós delicadamente, como uma coincidência aparentemente insignificante, mas reconhecemos a sua presença: Maria é mãe na noite, mãe em plenitude, unicamente mãe, uma mãe que está feita para a fragilidade do filho.
Saber que Maria está aí
e cuida d’Ele na noite
enche de alegria o coração do filho,
renova as suas forças, consolida a sua esperança,
dá luz e paz (QV 1003).
Temos que descobrir a Maria de maneira contemplativa, como descobrimos a Deus. Esta descoberta realiza-se numa luz que não se pode explicitar claramente. É uma experiência obscura, mas segura, da maternidade de Maria; cria em nós um movimento filial, um movimento que surge das profundidades e nos leva a viver como Maria. Jesus, Filho de Deus e filho de Maria, não quer para nós outro lugar senão o seu, e dá-nos sua mãe: «Eis a tua mãe» (Jo 19, 27). A misericórdia de Deus completa-se com a ternura de Maria.
Na tarde da sua ordenação sacerdotal, o Padre Eugénio Maria escreveu:
Maria, devo-Vos tudo
pois me guiaste e fizeste quanto sou (B 17).
Porque desde sempre e para sempre tinha-a acolhido «em sua casa». Quando a Providência o conduz a Notre-Dame de Vie, aprofunda ainda mais o mistério da vida de Deus que passa através de Maria. Ela é mãe em toda a parte onde Jesus é salvador, mãe de todos aqueles sobre os quais o Espírito difunde a graça.
Participando com Cristo na construção da Igreja, participamos também no mistério de Maria, porque o amor recebido de Deus está feito para dar a vida e prolongar assim a maternidade de Maria. A fecundidade espiritual nasce do desenvolvimento da graça baptismal pelo poder do Altíssimo, que nos cobre com a sua sombra. A Virgem vos escolheu. Vos chamou para que a prolongueis, para que derrameis como ela a luz e a vida, para que vos pareçais o mais possível a Ela… derramando a sua graça por toda a parte (I 7-10-61).
Descobrimo-La um dia com assombro, e acreditamos n’Ela…
Junto de Vós, Maria, «persevero em oração» (Act 1, 14), guiado pelo Padre Eugénio Maria:
Maria, sede Mãe, Mãe até ao extremo,
Mãe da vida, Mãe da Misericórdia,
dessa vida que se derrama
inclusive sobre a miséria das almas
para as levantar, para as ressuscitar.
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