A tragédia de Sófocles, Rei Édipo, foi levada à cena nos dias 1, 2 e 3 de julho, nos claustros do Museu de Aveiro. Esta iniciativa da oficina de teatro «Capitão Grancho» foi promovida pela Comissão Diocesana da Cultura e apoiada pela Câmara Municipal de Aveiro, e permitiu reunir num só evento a beleza dos claustros do Museu de Santa Joana Princesa, a densidade do teatro grego e o amor pela arte evidenciado pelos atores que se definem, orgulhosamente, como ‘amadores’, «porque amador é aquele que ama», como recordou o presidente da Comissão Diocesana de Aveiro, nas suas palavras de acolhimento. Luís Silva referiu, ainda, que o envolvimento da diocese neste evento resulta de um óbvio e inesgotável encontro entre fé cristã e cultura, que já tem 2000 anos de história. Invocou, para comprovar esta relação entre o cristianismo e a cultura, as palavras de George Steiner, para quem «a ideia de Europa é um conto de duas cidades»: Atenas e Jerusalém, a Atenas da Razão e a Jerusalém da Fé.
No primeiro dia, a apresentação da peça foi antecedida de uma intervenção de Marta Várzeas, professora da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e um dos raros especialistas portugueses em teatro de Sófocles. Recordou que esta peça é uma espécie de ‘investigação policial’, pois Édipo, «o dos pés inchados», dispõe-se a partir em busca da verdade, para conhecer a razão pela qual a sua cidade, Tebas, está a ser assolada pela peste. Segundo a mentalidade grega, o mal e o bem propagam-se, há, por isso um crime por expiar. Na sua investigação, Édipo pretende descobrir quem é o responsável pela ruína que se abateu sobre a cidade. Alguém terá cometido um crime que irritou Apolo. Ora, como recordou Marta Várzeas, tanto o público como os atores sabem quem é o responsável pela fatal condição. Só Édipo não sabe que matou o pai e se casou com a mãe, dela tendo quatro filhos. Este facto confere ironia trágica à ação e, ao mesmo tempo, gera nos espectadores compaixão e solidariedade para com a personagem, permitindo-lhes identificarem-se com a frágil condição do protagonista, um reconhecimento que sai reforçado pelas palavras finais da peça: «não consideremos feliz nenhum ser humano, enquanto ele não tiver atingido, sem sofrer os golpes da fatalidade, o termo da sua existência». Aprende-se, sofrendo!
Tendo sido uma peça representada por um grupo de teatro amador, a qualidade revelada surpreendeu as cerca de 400 pessoas que assistiram à peça, nos três dias. Duarte Lima assumiu o papel de Rei Édipo conferindo-lhe uma densidade singular. Paula Magalhães foi Jocasta. Albertina Monteiro interpretou o papel de Sacerdote. Vítor Silva foi Creonte. Maria Giro encarnou, com vívido dramatismo, a missão do adivinho Tirésias, cujas palavras começam a confrontar Édipo com a possibilidade de ser ele mesmo o culpado. César Escobar deu corpo ao Servo de Laio e Vasco Zeferina foi o Mensageiro, ambos envolvidos nas revelações finais que comprovam a Édipo que é ele o culpado. Rute Oliveira interpretou o papel de Arauto e Inês Oliveira foi elemento do coro. A sonoplastia esteve a cargo de André Sousa e a luminotecnia sob a responsabilidade de Pedro Sottomayor, sendo o guarda-roupa disponibilizado pelo Museu de Aveiro. A encenação esteve sob a direção de Teresa Grancho.
Imagem: Édipo e a Esfinge Por Gustave Moreau [1826-1898]