Qui. Jun 19th, 2025
As leis da cidade | Espaço dedicado a textos sobre legislação

Tiago Azevedo Ramalho 

[O texto introdutório pode consultar-se aqui.]

– 7. Segunda atitude: adesão fundamental ao texto constitucional. O Partido Chega.Uma diferente postura diante do texto constitucional manifesta-se nos projectos do Partido Chega e da Iniciativa Liberal. Ainda que não impugnem o sentido do texto constitucional no seu conjunto, por eles se procura, já não um como que desenvolvimento do curso da tradição constitucional, mas uma sua inflexão, corrigindo algumas das suas características iniciais. E assim mesmo que a inflexão pretendida seja, em cada um dos projectos, de sinal diferente.

No caso do Partido Chega, entende-se, sem deixar de reconhecer o «marco histórico, político e jurídico» da Constituição de 1976, que continua ela a reflectir «resquícios significativos dos combates ideológicos dos anos 60 e 70, em Portugal, especialmente a linguagem política e dogmática do período revolucionário, o que já não se mostra adequado». Caberia corrigir, portanto, o conjunto de signos sob os quais se apresenta a Constituição – como resultado de um combate ao «fascismo», como «caminh[and]o para o socialismo». Em seu lugar, importaria reformulá-la no sentido de abrir condições de afirmação dos mais diversos projectos de organização política: «a Constituição de um país não tem de ser de direita ou esquerda, fascista ou comunista, tem de ser uma garantia de liberdade de todas as opções políticas legítima».

Daí um projecto de revisão constitucional que, no dizer do Partido Chega, tem por característica distintiva procurar a «neutralidade ideológica constituição» e «um modelo económico e societário onde a convivência harmónica entre o sector público e privado está assegurada, mesmo em domínios fundamentais como a saúde ou a educação». A estas duas intenções acresce a procura de um «sistema firme de direitos, liberdades e garantias, mas que não impeça a necessária reforma na justiça, sobretudo a justiça criminal» e «a necessária reforma do poder político, reduzindo a sua dimensão institucional e burocrática, e assegurando a independência dos tribunais, dos órgãos de investigação criminal e das entidades reguladoras face ao poder político, independentemente das maiorias conjunturais».

8. Cont. A Iniciativa Liberal. Inflexão de algumas das características da Constituição de 1976 é o que pretende igualmente a Iniciativa Liberal. Reconhecendo não ter beneficiado ainda das condições para apresentar um «projecto global de cariz liberal», a respectiva iniciativa pretende sinalizar algumas daquelas características que, para este partido, deverão caracterizar um texto constitucional: «o de afirmar os valores liberais e de robustecer as instituições democráticas, promovendo a transparência, a independência, e autonomia dos cidadãos face ao exercício do poder pelo Estado». Sob o signo da eficiência e da eficácia, «à boa maneira liberal», procura-se um estilo de texto constitucional que se reduza e concentre no que se afigura fundamental para a protecção da liberdade dos cidadãos e das instituições democráticas.

Sendo esta a perspectiva acerca do texto constitucional, não surpreende, também, que para esta força política a actual Constituição seja perspectivada como constituindo «um documento desnecessariamente longo e exaustivo, herança de tempos passados e felizmente ultrapassados em que se admitia um Estado omnipresente».

 

– 9. Cont. As alterações ao Preâmbulo da Constituição.Corolário das pretensões que se divisaram nos projectos do Partido Chega e da Iniciativa Liberal é a proposta de alteração do Preâmbulo da Constituição.

No caso do Partido Chega, pretende-se que, onde hoje se lê que o Movimento das Forças Armadas derrubou o regime fascista, se leia que derrubou o regime vigente (em 1974); e que, em lugar de se dizer ter a Assembleia Constituinte afirmado a decisão de abrir caminho para uma sociedade socialista, o caminho passe a dizer-se aberto para uma sociedade «cuja matriz política apenas pelo povo pudesse ser escolhida e delimitada, sem linhas norteadores pré-estabelecidas – para lá das que o Estado de Direito faça aplicar – ou dogmas político-ideológicos diversos». Estaríamos assim a corrigir «expressões obsoletas e de valor unicamente histórico». Por fim, mantém-se que acção da Assembleia Constituinte tem em vista «a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno», mas – propõe-se acrescentar agora – «que repudie e censure todos os regimes políticos e ideologias totalitárias, independentemente da área política que representem». Não deixa de causar certa perplexidade a correcção desse parágrafo quanto às intenções da Assembleia Constituinte, dada a índole narrativa histórica do Preâmbulo da Constituição.

Já a Iniciativa Liberal acrescenta uma referência, no primeiro parágrafo, à importância do 25 de Novembro de 1975. À referência ao 25 de Abril, segue-se a proposta de uma referência à importância desta segunda data: «A 25 de Novembro de 1975, Portugal consolidou-se como regime democrático pleno, impedindo a instauração de um regime comunista.» No mais, e à semelhança do Partido Chega, pretende-se modificar o parágrafo relativo às intenções históricas da Assembleia Constituinte. Tal parágrafo passaria a ter a seguinte redacção: «A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares de uma democracia liberal e do primado do Estado de Direito democrático, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre e mais justo, através de níveis mais elevados de desenvolvimento económico, político e social.»

Quer para o Partido Chega, quer para a Iniciativa Liberal, há-de não apenas refrigerar-se o texto constitucional, mas abri-lo para nele soprar um novo espírito.


Imagem de 愚木混株 Cdd20 por Pixabay