As leis da cidade | Espaço dedicado a textos sobre legislação
Tiago Azevedo Ramalho
[Primeiro texto: aqui.]
– 5. Cont. – Em apreciação estava, neste acórdão do Tribunal Constitucional Federal alemão, o regime que se pretendera instituir com a lei – …atente-se bem na primeira parte da sua designação!… – «de protecção da vida pré-natal e em gestação, de promoção de uma sociedade mais amiga das crianças, de ajuda para conflitos na gravidez e de regulação da interrupção da gravidez», datada de 27 de Julho de 1992. Entre outros propósitos, por ela se pretendera introduzir, com relativa latitude, a possibilidade de provocação intencional do aborto nas primeiras semanas de gestação mediante os seguintes pressupostos: (i) pedido da grávida; (ii) ter obtido aconselhamento a respeito do conflito em que se encontrasse, com o intuito de propiciar uma decisão tomada de modo autónomo e esclarecido, a dever ter lugar com a antecedência mínima de três dias em relação à data de provocação intencional do aborto; (iii) não se haver ultrapassado as doze semanas de gestação.
Não fora esta, na verdade, a primeira tentativa de despenalizar amplamente o aborto no espaço alemão. Já em 1974 – um ano depois do Roe vs. Wade, pouco antes, também, dos diplomas francês e italiano a que já se fez referência (n.º 4) – fora ela tentada, mas sem sucesso, em virtude do então Acórdão do Tribunal Constitucional Federal de 25 de Fevereiro de 1975. Mas entretanto haviam decorrido já quase duas décadas, além de que se dera, neste ínterim, a reunificação das duas Alemanhas: ora, entre os pontos em que se determinara, no Tratado de Unificação, dever adoptar-se uma regulação jurídica unitária, estava justamente o regime jurídico de resposta ao problema do aborto, que, na República Democrática Alemã, era objecto de uma regulação de cariz mais permissivo (datada de 1972, e permitindo o aborto nas primeiras doze semanas). Tal o pano de fundo em que surgiu a Lei de 27 de Julho de 1992.
Nos três seguintes pilares assentou a posição do Tribunal:
a) Em que deve evidentemente ser dada prevalência à protecção do nascituro: a ordem constitucional não coloca em planos equivalentes a vida do nascituro e a liberdade da mãe. Por conseguinte, o primeiro olhar sobre o fenómeno do aborto provocado deve ser de censura;
b) De onde resulta que a provocação intencional do aborto se deve ter por ilícita;
c) Estando apenas em aberto qual o modo mais adequado para reagir à referida licitude, admitindo que ela não tenha sempre de passar por uma resposta penal (pela tipificação do crime de aborto).
Diante de um qualquer texto normativo que pretenda regular a matéria do aborto, importaria assim apurar se o regime adoptado (c)) manifesta de modo suficiente a ilicitude do acto (b)) e responde às exigências de protecção prevalente da vida do nascituro (a)).
No caso, embora o Tribunal tenha admitido que a resposta ao problema do aborto não tivesse de passar necessariamente pela aplicação da lei penal, entendeu que o regime concretamente resultante da Lei de 27 de Julho de 1992 não acautelava suficientemente as exigências de protecção da vida do nascituro (declarando-o por isso nulo). Antes exigiu que a eventual provocação não punível do aborto houvesse de ser precedida de um aconselhamento nos termos equivalentes aos hoje resultantes do § 219 (1) do Código Penal alemão:
«O aconselhamento tem por finalidade a protecção do nascituro. Deve guiar-se pela preocupação de encorajar a mulher grávida a continuar a gravidez e de lhe abrir perspectivas de uma vida com a criança; deve ajudá-la a tomar uma decisão responsável e conscienciosa. Neste âmbito, tem a mulher grávida de tomar consciência de que o nascituro tem, em qualquer estádio da gravidez, também um direito à vida próprio, e que, por isso, de acordo com a ordem jurídica, apenas se pode considerar uma interrupção da gravidez em circunstâncias excepcionais, quando para a mulher grávida se torne tão pesado manter a gravidez, tão difícil e tão extraordinário, que ultrapasse o limitar suportável de sacrifício. O aconselhamento deve, mediante conselho e auxílio, contribuir para vencer a situação de conflito conexa com a gravidez e para superar da situação de necessidade. (…)».
É este regime que hoje mesmo, em 2024, continua a vigorar na Alemanha.
https://pixabay.com/pt/photos/o-tribunal-constitucional-federal-5180750/