Seg. Mar 17th, 2025
As leis da cidade | Espaço dedicado a textos sobre legislação

Tiago Azevedo Ramalho

[O texto introdutório pode consultar-se aqui.]

– 28. A música é a mesma… ou quase.Ouve-se na música Liberdade de Sérgio Godinho: «Só há liberdade a sério quando houver/ A paz, o pão, habitação, saúde, educação». Confrontando as propostas das diferentes forças partidárias em sede de direitos económicos, sociais e culturais, continuam a ser estas as matérias merecedoras de maior atenção – no pressuposto de que por «pão» se entende o trabalho e a segurança social, e de que a paz é a atribuição do justo espaço a cada bem. A estas matérias clássicas vê-se claramente associada uma nova, pouco reflectida na versão inicial do texto constitucional, mas entretanto adquirindo especial grande relevância: a protecção do ambiente. Far-se-á uma recensão muito breve das múltiplas propostas dos partidas neste âmbito.

– 29. O pão ganho: o trabalho. – Quanto ao pão do trabalho, destaca-se o projecto de revisão do PCP, nitidamente o único partido que faz do compromisso com a organização do trabalho uma bandeira política central. Sublinha a defesa da estabilidade dos vínculos contratuais (58.º, n.º 2, al. b)), de valorização do salário mínimo (59.º, n.º 2, al. a)) e da redução progressiva da duração do trabalho (59.º, n.º 2, al. b)). Propõe ainda que um novo art. 59.º-A leve ao texto constitucional certas «garantias especial da retribuição»: a impenhorabilidade do salário mínimo; a previsão de privilégios creditórios por créditos salariais; e garantias civis e penais do pagamento pontual da retribuição. Atenção é dada ainda à representação colectiva de trabalhadores, ora mediante a protecção dos respectivos representantes sindicais (art. 55.º, n.º 6), ora mediante disposições respeitantes a convenções colectivas de trabalho (art. 56.º, nn.º 4 a 6).

Um breve relance, agora, sobre as propostas dos demais partidos. Da parte do BE surge a preocupação de garantir igualdade de oportunidades em âmbito laboral sem discriminação em razão do «género, pertença étnico-racial e orientação sexual» (art. 58.º, n.º 2, al. b); cf. tb. o art. 59.º, n.º 1) – no mesmo sentido igualmente o PAN (art. 59.º, n.º 1) –, bem como o direito dos trabalhadores à participação nos lucros da empresa (art. 59.º, n.º 1, al. g)). Pelo PS, uma organização do trabalho que «elimine precariedade de vínculos e condições laborais» (art. 59.º, n.º 1, al. b), parte final). Duas forças políticas fazem propostas algo surpreendentes: o Partido Chega propõe um «dever de trabalhar» (art. 58.º, n.º 1); e o PSD pretende a restrição do direito das comissões de trabalhadores mediante a revogação das alíneas b) e c) do art. 54.º, n.º 5, que lhes conferem a possibilidade de, respectivamente, «exercer o controlo de gestão nas empresas» e de «promover a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos da lei».

Finalmente, a protecção da infância/ adolescência no mundo laboral é visada por dois projectos: o PCP propõe a proibição do trabalho em idade escolar (art. 69.º, n.º 3), e o PS a menção à proibição do trabalho forçado e do trabalho infantil (art. 59.º, n.º 5)

 

– 30. O pão redistribuído: a segurança social. – É novamente o PCP que olha com cuidado para o pão, agora o pão redistribuído, da segurança social. Propõe que se mencione que todos têm direito à «segurança social universal, pública e solidária» (art. 63.º, n.º 1), que se respeitem «direitos adquiridos» (art. 63.º, n.º 4), que as pensões de reforma sejam actualizadas e valorizadas em termos reais (art. 63.º, n.º 6), e que a todos se assegure um mínimo de subsistência (art. 63.º, n.º 7). Da proposta do BE surge uma menção, breve mas pertinente, a que o sistema de segurança social proteja os cidadãos, não só na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, mas igualmente de dependência (art. 63.º, n.º 3).

– 31. A habitação. – Eis que o tema da habitação regressou, nestes últimos tempos, à primeira linha do debate político. Já o têm especialmente presente os projectos da IL, do PSD, do PS e do Livre (em atenção aos seus eleitorados urbanos?). Da parte da IL, surge a menção a que ao Estado cabe fundamentalmente garantir o acesso à habitação própria ou arrendada pelo estímulo à construção privada, e só quando necessário pela sua própria iniciativa (art. 65.º, 2, a)). Pelo PSD surge como que um pacote de medidas: aproveitamento de imóveis públicos devolutos (art. 65.º, 2, c)); estímulo à habitação cooperativa (art. 65.º, 2, c)); redução da burocracia (art. 65.º, 2, c)); estímulo à reabilitação urbana (art. 65.º, 2, e)); promoção do acesso à habitação própria e arrendamento (art. 65.º, n.º 3).

Destaque merecem, por espelharem um certo estilo de legislar próprio do tempo, as duas normas «narrativas» apresentadas pelo PS e pelo L.

O primeiro prevê que caiba ao Estado, em matéria de política de habitação, «estabelecer medidas de proteção especial dirigidas a jovens, cidadãos com deficiência, pessoas idosas, e famílias com menores,  monoparentais ou numerosas, bem como às pessoas e famílias em situação de especial vulnerabilidade, nomeadamente as que se encontram em situação de sem abrigo, os menores que sejam vítimas de abandono ou maus-tratos, as vítimas de violência doméstica e as vítimas de discriminação ou marginalização habitacional» (o art. 65.º, n.º 2, al. e)).

O segundo prevê que todos tenham «direito a habitar num contexto territorial e social que assegure condições de salubridade, segurança, qualidade arquitectónica, urbanística e ambiental e integração social, permitindo a fruição plena da habitação e dos espaços e equipamentos de utilização coletiva, bem como o acesso a serviços públicos essenciais e às redes de transportes e comunicações, contribuindo para a qualidade de vida e bem-estar dos indivíduos e para a constituição de laços de vizinhança e comunidade, bem como para a defesa e valorização do território e da paisagem, a  proteção dos recursos naturais e a salvaguarda dos valores culturais e ambientais» (art. 65.º, n.º 2).


Imagem de Borko Manigoda por Pixabay