Ter. Fev 18th, 2025

Luís Manuel Pereira da Silva*

O discurso que pretende legitimar a prática do aborto é muito eficaz. Sendo o aborto voluntário um ato pelo qual se impede um filho de crescer até se tornar autónomo, eliminando-o, na sua fase mais frágil e mais dependente de quem o deveria proteger, os que o pretendem legitimar têm sabido instrumentalizar os argumentos convencendo parte da opinião pública de que a compaixão está do seu lado.

E um dos mais frequentes argumentos é o de que a clandestinidade do aborto é que mata as mulheres que a ele pretendem recorrer.

Uma busca rápida de relatórios das complicações associadas ao aborto legal prontamente deitará por terra esta convicção.

Apesar de escassos (ainda que devessem ser anuais, de acordo com a Norma nº 001/2013 de 29/01/2013), dois dos relatórios das complicações associadas à prática do aborto legal permitem retirar várias conclusões que deveriam fazer pensar.

(Reporto-me a dois relatórios: ‘RELATÓRIO DE ANÁLISE DAS COMPLICAÇÕES RELACIONADAS COM A INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ 2013’ e ao ‘RELATÓRIO DE ANÁLISE DAS COMPLICAÇÕES RELACIONADAS COM A INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ 2009 – 2010’, publicado pela Divisão de Saúde Reprodutiva, em janeiro de 2011.)

Das muitas informações que podem encontrar-se, aqui, destaco as mais relevantes.

Nestes relatórios, são registadas as inúmeras complicações advindas do aborto legal. Sublinho ‘complicações advindas do aborto legal’.

No relatório de 2011, que reporta informações do período em que já vigorava um quadro de legalidade decorrente da decisão tomada pelo Parlamento, após o referendo de 11 de fevereiro de 2007, podemos destacar as complicações mais graves, a saber, ‘infeção/sepsis’, que, entre 2008 e 2010, se verificou em 54 casos, havendo 7 situações de perfurações de útero.

No relatório de 2013-14, verificamos que as infeções/sepsis continuam a ter um nível de incidência significativo: no ano de 2011, foram 31; em 2012, foram 23; em 2013, 46; em 2014, 31. Também continuam a verificar-se perfurações de útero: em 2011 e em 2014, não foram registados casos, mas assim aconteceu, porém, em 2012 (1 caso) e em 2013 (2 casos).

Poderá, ainda, observar-se que são muito significativos os números de casos de aborto retido (em que o embrião ou feto não é expulso do útero, após a intervenção): em todos os anos relatados, os abortos retidos superam os 150, chegando, em 2010, a atingir o número de 524.

Os mesmos relatórios reportam outras complicações (endometrite, necessidade de terapêutica cirúrgica ou transfusão sanguínea, persistência de saco gestacional após intervenção, etc.), densificando o reconhecimento das inúmeras consequências do aborto para a própria mulher (bem certo que a complicação ‘morte’ é constante, no caso do filho…). Volto a sublinhar que as complicações não são decorrentes da clandestinidade do ato, mas sim do ato em si. Todas estas complicações acima sumariamente enumeradas são referentes ao aborto legal.

E soma-se a estas complicação a morte da própria mulher, facto que podemos verificar no relatório de janeiro de 2011 que observa que ‘A morte por choque tóxico associado com infecção a Clostridium sordellii, constitui uma complicação muito rara, mas que deve ser considerada como diagnóstico diferencial.’ Por ‘diagnóstico diferencial’ podemos entender ‘hipótese sempre a colocar’. Na verdade, fonte de informação segura reportou-me que a morte de mulheres por aborto legal voltou a ocorrer em pelo menos mais duas situações, em data posterior à que reportam estes dois relatórios.

Face a estes dados, deveria concluir-se que não é a clandestinidade a responsável pelas complicações associadas à sua prática, mas a natureza do próprio ato de abortar, que é a interrupção abrupta e subjetivamente determinada de um processo em que já está empenhado todo o organismo da mulher.

Acresce que, em causa, já não está só o corpo da mulher, mas a vida do seu filho.

Por tudo isto, compadecer-se de uma mulher que está grávida e se convenceu de que o seu problema é o seu filho em gestação não é legitimar-lhe a determinação de o eliminar, mas ajudá-la a acolher o filho. Eliminar o filho é decisão irreversível, motivada por circunstâncias sempre reversíveis. Os casos que acompanhei, desde a fundação da ADAV-Aveiro, e de que resultou a decisão livre da mãe de desistir de abortar, permitem-me concluir que o filho, que parecia problema, veio, afinal, a ser a causa de reconfiguração de sentido e a fonte de esperança, em momentos mais negativos (bem me lembro desses testemunhos sofridos…).

Sendo o aborto um erro, como podemos continuar a achar que ele seja sinal de compaixão?

Compadecer-se é, sim, ajudar o outro a encontrar uma saída construtiva para um problema que se lhe afigura insuperável… E para isso aí estão as associações de defesa da vida que têm, desde 1998, criado respostas para que não fique sem ajuda mulher alguma cujo filho decidiu ouvir: em sussurro, ele pedia-lhe que o acolhesse…


*Professor, Presidente da Comissão Diocesana da Cultura
Autor de ‘Bem-nascido… Mal-nascido… Do ‘filho perfeito” ao filho humano’, ‘Ensaios de liberdade’ e de ‘Teologia, ciência e verdade: fundamentos para a definição do estatuto epistemológico da Teologia, segundo Wolfhart Pannenberg’

Imagem de Bianca Van Dijk por Pixabay