Seg. Fev 17th, 2025
Bioética e sociedade
(Parceria com o Centro de Estudos de Bioética)

Carlos Costa Gomes*

Está na ordem do dia o debate sobre alargamento do prazo para 12 semanas (PS) ou 14 semanas (BE) para ato de abortamento.  No passado, não muito distante, o Parlamento Europeu, silenciosamente, discutiu a questão do aborto como direito humano e incentivava os Estados-Membros a despenalizarem o aborto, bem como proibir a objeção de consciência aos profissionais de saúde que se opõem a tal prática.

Também na ONU, no Comité dos Direitos Humanos afinado pelo mesmo diapasão, a discussão passou também por tornar o aborto obrigatório em todos os países (quando a gravidez for causa de sofrimento substancial e de dor), no sentido de se excluir barreiras legais incluindo negar o direito de objeção de consciência dos profissionais de saúde.

A legislação portuguesa assegura o direito à objeção de consciência dos cidadãos e profissionais de saúde e o direito à vida como valor inviolável.

A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 41.º, consagra, de forma explícita, o direito à objeção de consciência a todos os cidadãos, enquanto direito relativo à liberdade de consciência.

O Código Penal, nas suas sucessivas revisões, contemplou também o direito à objeção de consciência para os profissionais de saúde em caso de pedido de aborto (Lei 16/2007, de 17 de abril).

Os Códigos Deontológicos dos médicos e enfermeiros declaram, inequivocamente, o direito de recusar um ato que fira a consciência ética, moral, filosófica e religiosa do profissional de saúde.

O PS e BE querem alargar o prazo para o abortamento para 12 /14 semanas, respetivamente. Na verdade, se, sem este alargamento, a prática do abortamento é já, no nosso entender, um eclipse moral e ético do direito à vida, querer negar a objeção de consciência, como um direito fundamental aos profissionais de saúde, é um atentado ao direito de liberdade de consciência individual face ao direito da liberdade individual da mulher que quer abortar.

Dois direitos inconciliáveis. Não é lícito moralmente, nesta matéria, obrigar o profissional de saúde a uma prática que fere a sua dignidade e consciência ética. Há, na realidade, um conflito de direitos.

Europa vê-se a braços com uma crise profunda de valores. A solidariedade, princípio ético que tem norteado o destino de Portugal, que orientou e orienta tantas pessoas, organizações – veja-se o exemplo da pandemia e o esforço nacional na mobilização de tantos recursos para salvar vidas…

Mas, hoje, é o mesmo país, que, a partir dos partidos citados, entre outros, cujo dever é o de proteger a fragilidade e vulnerabilidade da vida, que agora avançam com medidas de legislativas que permitam prazos mais alargados para o abortamento e o impedimento dos profissionais de saúde à objeção de consciência, bem como eliminar o período de reflexão da mulher que pretende realizar o abortamento.

Os valores éticos universais das sociedades democráticas, onde se insere o valor “absoluto” da vida humana, convertem-se em normas jurídicas, não no que se deve proteger, mas no que se impõe licitamente fazer da vida por nascer. É um “paradoxo ideológico totalitário e radical”: ao querer-se, pela via jurídica, afirmar um direito; e também pela mesma via negar-se o direito à objeção de consciência.

A cultura do nosso tempo já não é apenas ideológica/cultural, mas está a converter-se, silenciosamente, num ideologismo culturalmente jurídico, fazendo depender a ética e a moral do direito e não o direito da ética, tornado a juridicidade numa nova ordem moral.  Nada de mais errado.

O Artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos é claro quanto a esta matéria. “Todos os seres humanos têm direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.

O artigo citado repousa numa fundamentada reflexão ética e que passou a ser norma no ordenamento jurídico dos países democráticos que consagram este direito nas suas Constituições.

A pergunta que se faz é:  Como é possível que os nossos deputados, arautos da defesa dos direitos, queiram negar e proibir a objeção de consciência como direito constitucional e fundamental dos profissionais de saúde e de todos os cidadãos, em favor do direito à liberdade individual na mais clara violação do valor da justiça e do direito inviolável da vida por nascer?

Estes projetos de lei, ao quererem o alargamento do prazo para o abortamento, conferem, já em si mesmos, a negação da defesa da vida como pilar ético indelével; mas ao incluir uma norma jurídica para negar a objeção consciência aos profissionais da saúde, “assumem um poder autoritário que só é compaginável com os regimes totalitários como tanto nos ensinou a história” (Walter Osswald), onde o autoritarismo e totalitarismo foi determinante para “a violência da morte do homem pelo homem” (Daniel Serrão).


* Presidente do Centro de Estudos de Bioética | Pós-Doc e PhD em Bioética 

Imagem de H. Hach por Pixabay