As leis da cidade | Espaço dedicado a textos sobre legislação
Tiago Azevedo Ramalho
[O texto introdutório pode consultar-se aqui.]
– 11. Estado Português e União Europeia. – A leitura dos vários projectos de revisão constitucional permite concluir que, para a generalidade das forças políticas, a pertença a uma União Europeia com o seu actual figurino já não é uma questão, mas um adquirido. Deixam intocado, portanto, o modo de relação entre o Estado português e as instituições europeias.
Com a excepção do PCP. Justamente propõe este partido uma alteração cirúrgica à Constituição, cujo alcance é dificilmente compreendido por não juristas: a eliminação do n.º 4 do artigo 8.º da Constituição.
É o artigo 8.º que prevê de que modo normas de Direito Internacional podem vigorar no Estado Português. O n.º 4 respeita, de modo especial, ao Direito da União Europeia, prevendo o seguinte:
«As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.»
Por via de semelhante disposição permite-se que o Direito da União Europeia valha, no Estado português, naqueles precisos termos que tenham sido definidos pelas instituições da União Europeia. Dito de outro modo: são as instituições da União Europeia – em especial, o Tribunal de Justiça da União Europeia – que arrogam a si o privilégio da última palavra sobre o Direito, o que, bem-sabido, é um dos atributos do soberano; e essa arrogação é, como visto, reconhecida pelo Estado português. Se a União Europeia arroga uma prerrogativa soberana, daí resulta, para os Estados que a integram e se submetem ao seu Direito, uma forte compreensão desse seu atributo característico.
Daí que o PCP explique ser seu o seguinte intuito:
«A eliminação das normas que permitem a sistemática transferência da soberania nacional para as instituições da União Europeia e que admitem a prevalência das normas emanadas da União Europeia sobre o Direito interno, incluindo a própria Constituição.»
Que se deva ou não aplaudir um projecto europeu construído nos termos em que o conhecemos, é ponto que pode, por certo, ser objecto de diferentes posições – mesmo se hoje o consenso é amplamente maioritário no sentido do aplauso. Mas ao menos num ponto poderiam convir as diferentes forças políticas, ou, quando não elas, os espíritos de boa vontade. A saber: que deve muito às exigências de transparência do estatuto do poder político – essa que é uma das finalidades de uma qualquer constituição escrita – que uma questão de tamanho alcance, a da relação entre o Estado português e a União Europeia, e os reflexos dessa relação no estatuto de um e de outra, continue a ser reflectida na constituição portuguesa num oblíquo último número de um artigo cuja índole e implicações mínimas são praticamente indecifráveis para um não jurista.
Imagem de Chickenonline por Pixabay