As leis da cidade | Espaço dedicado a textos sobre legislação
Tiago Azevedo Ramalho
[Primeiro texto: aqui.]
-10. Um novo consenso. – A novidade nas Novas vindas de Franças não está rigorosamente na ruptura de um equilíbrio em que assentava, até então, a legislação dos Estados ocidentais. Conforme vimos, essa ruptura fora já obtida anteriormente, de que é claro exemplo Roe vs. Wade (n.º 7). Antes sinalizaram estas Novas até que ponto essa perspectiva liberalizante do regime do aborto ganhou, nas décadas que se seguiram a este acórdão, tão profundas raízes. Dois pontos o revelam.
Primeiro: a pouca dignidade conferida à alteração do texto constitucional francês. À garantia constitucional do direito ao aborto, e pese embora o que o seu reconhecimento implica, não se dá expressão diferente do que uma anódina referência à sua admissibilidade. Assim se lê agora – entre outras referências – no art. 34.º da Constituição francesa:
«A lei determina as condições nas quais se exerce a liberdade garantida à mulher de recorrer a uma interrupção voluntária da gravidez.»
Segundo: a impressionante maioria que aprovou esta alteração. 780 de 852 votos expressos pronunciaram-se a favor da alteração, o que conduz a imponentes 91,5%. Mais: em nenhum grupo político prevaleceu uma posição contrária à alteração constitucional. O grupo em que a posição não obteve uma percentagem superior foi Les Republicains, e mesmo assim com apenas 29%; interessante é também – e talvez muito formativo para quem deposite a sua confiança em partidos aparentados – o caso do Rassemblement National, em que um elevado número de representantes se escudou na abstenção: mesmo com 26% dos respectivos representantes a absterem-se, o pour à alteração atingiu 60%, o contre apenas 14%.
Ora, uma maioria de 91,5% obtida por representantes eleitos não deixa dúvida alguma: trata-se de uma posição totalmente consensualizada, que esgota virtualmente o espaço político, e coloca quem a ele não adere em espaço de quase marginalidade.
Imagem de Jane Lund por Pixabay