As leis da cidade | Espaço dedicado a textos sobre legislação
Tiago Azevedo Ramalho
[Primeiro texto: aqui.]
– 7. O princípio geral de liberdade: Roe vs. Wade (1973). – Dúvidas não há, no confronto dos números anteriores (nn.º 4 a 6), de qual era a perspectiva prevalecente na resposta jurídica ao problema do aborto provocado. Mesmo em ambientes com certa despenalização, preponderava a censura a esta prática, a não indiferença, a clara afirmação de que, em primeiro lugar, se impunha a protecção da pessoa humana já formada, muito embora se encontrasse ainda numa fase de desenvolvimento intra-uterino. Foi precisamente com essa perspectiva que a recente alteração à Constituição francesa pretendeu romper, mesmo se não foi pioneira num tal intuito de ruptura. Foi do lado de lá do Atlântico, com o célebre acórdão Roe vs. Wade, de 1973, e, depois, com o acórdão Planned Parenthood vs. Casey, de 1992, que ela mais marcadamente se começou por dar.
Assentou o entendimento do Supreme Court norte-americano numa clara distinção entre três períodos da gravidez, em cada um dos quais entendia resultar da Constituição norte-americana um enquadramento jurídico possível distinto das possibilidades de regulação do aborto provocado:
a) No primeiro terço da gravidez, a decisão acerca do aborto é reservada em exclusivo ao juízo do médico da mulher grávida. Nenhum Estado (federado) poderia, portanto, proibir o aborto neste período;
b) No segundo terço da gravidez, seria já possível a regulação estadual do aborto, mas apenas com justificação na protecção da saúde da mãe;
c) No último terço da gravidez, cada Estado poderia – não teria de – regular o aborto também no interesse da «potencialidade da vida humana», e, neste período, realmente proibi-lo, excepto quando necessário para a protecção da vida da mãe.
Movemo-nos em areias bem distintas daquelas que nos eram até agora conhecidas. Cabe, pois, considerar bem de perto este aresto, colocando em evidência quão profundamente diverge, no seu regime, daquela que era, e em boa medida ainda é, a perspectiva prevalecente em Estados europeus, e como a tentou justificar.
Imagem de Pete Linforth por Pixabay