Qua. Abr 30th, 2025
As leis da cidade | Espaço dedicado a textos sobre legislação

Tiago Azevedo Ramalho

[O texto introdutório pode consultar-se aqui.]

– 20. O âmbito criminal.Traço distintivo do projecto de revisão constitucional apresentado pelo Partido Chega é o conjunto de alterações às garantias em matéria criminal. É um projecto cuja linha de orientação não é facilmente discernível: ora, em dados aspectos, pretende reforçar a protecção de investigados e arguidos em âmbito criminal, ora pretende, em simultâneo, aumentar de modo significativo a robustez do sistema processual e punitivo criminal, fragilizando a posição da pessoa que é colocada na sua mira.

Entre as propostas de alteração que reforçam a posição de possíveis investigados ou arguidos está a redução do prazo para ser apresentado a juiz após detenção criminal, de quarenta e oito para vinte e quatro horas (art. 28.º, n.º 1), a redução do tempo para se decidir um pedido de habeas corpus, quer dizer, de reacção a uma detenção ilegal, de oito para cinco dias (art. 21.º, n.º 3), e a previsão explícita de que a ingerência na «correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação» deva ser precedida de autorização judicial (34.º, n.º 1).

Mas bem mais significativas são afinal as propostas de alteração, apresentadas por este mesmo partido, que reforçam o potencial de agressão da acção penal. Já antes se referiu, no n.º 19, a proposta de incluir no texto constitucional a menção expressa à aplicação de tratamentos químicos com fins de prevenção de crimes de natureza sexual. Assinalam-se agora duas propostas adicionais que visam introduzir significativas mudanças em âmbito penal. Ambas surgem ao arrepio da tradição jurídica portuguesa, e logo incidindo em âmbito em que ela foi pioneira à escala europeia.

Num caso, surge a proposta de se introduzir a prisão perpétua onde se trate de «crimes contra a vida ou contra a integridade física, em que se verifique especial perversidade ou gravidade» (art. 30.º, n.º 1).

Noutro, surge, e apenas para crimes que digam respeito ao exercício de cargos públicos, a admissibilidade da inversão do ónus da prova (art. 32.º, n.º 3).

Ponderando o reforço, por um lado, com a diminuição de tutela, por outro, daqueles que são objecto de acção penal, é nítido que o projecto do Partido Chega pende claramente neste último sentido. Com a seguinte característica: é que essa diminuição de tutela está reservada para círculos bem circunscritos de sujeitos, em relação aos quais, por força da índole dos crimes envolvidos (abuso sexual; especial perversidade em crimes contra a vida e integridade física; exercício de cargos públicos), não se adivinha uma grande solidarização pública com os visados. Na proposta desta força partidária, parece clara a intenção de demarcar uma fronteira entre nós, com o nosso processo e suas garantias, e esses, que as não merecem.


Imagem de Ichigo121212 por Pixabay