As leis da cidade | Espaço dedicado a textos sobre legislação
Tiago Azevedo Ramalho
[O texto introdutório pode consultar-se aqui.]
– 17. Acesso ao Tribunal Constitucional. – Ainda no plano dos princípios gerais respeitantes a direitos fundamentais, identificam-se propostas no sentido de modificar as formas de acesso ao Tribunal Constitucional.
No actual regime, a fiscalização constitucional concreta – isto é, o juízo sobre se, num caso concreto, foi aplicada ou desaplicada devidamente uma determinada norma em razão da sua inconstitucionalidade – opera de modo difuso. São os mais diferentes tribunais, na pluralidade das suas formas de organização, que, a propósito de cada conflito que sejam chamados a dirimir, podem realizar aquela mesma fiscalização (art. 204.º e 280.º). Apenas após essa apreciação por parte de um primeiro tribunal pode eventualmente haver recurso (consoante os casos: ou imediato, ou condicionado ao prévio esgotamento de todos os meios ordinários de recurso) para o Tribunal Constitucional, no qual se aprecia a interpretação normativa que tenha sido feita do texto constitucional.
A este regime pretendem quatro forças políticas acrescentar a possibilidade, nalguns casos, de recurso de amparo, um recurso dirigido directamente ao Tribunal Constitucional contra acções ou omissões que se entendam violadoras da Constituição. Fazem-no o PSD (art. 280.º, 6), o PCP (art. 20.º, 7, 223.º, 283.º-A), a IL (20.º, 5) e o Partido Chega (art. 280.º, 2, al. e)).
Não se trata de uma discussão que se decida em termos de um juízo simples de maior ou de menor tutela consoante o menor ou mais amplo conjunto de competências atribuídas ao Tribunal Constitucional, mas que antes implica a aferição de qual o tipo de competências que permite que este ocupe uma posição relevante, e, no confronto com os demais tribunais, equilibrada, na garantia de posições fundamentais dos cidadãos. Uma devida apreciação da maior ou menor oportunidade da introdução de um recurso de amparo – que, aliás, o autor destas linhas não se julga habilitado a realizar – implicaria, portanto, uma ponderação mais desenvolvida do que a compatível com a índole das presentes reflexões.
– 18. Acesso geral à justiça. – Assinala-se, ainda no plano da protecção de direitos, a proposta de alteração, realizada pelo PCP, ao art. 20.º, 1. Onde hoje se lê que a justiça não pode ser «denegada pela insuficiência de meios económicos», pretende o PCP acrescentar que o acesso a ela não possa igualmente ser «condicionado ou denegado pela sua onerosidade». No texto constitucional se aponta para a (tendencial ou progressiva) gratuitidade da saúde (64.º, 2, c)) e do ensino (74.º, 2, e)). Não, porém, do acesso à justiça.
O que impõe algumas reflexões. A garantia de acesso ao direito não é uma simples «prestação social», que vise dar um plus em relação ao que seria a condição existencial normal (um plus de educação, ou de saúde, ou, noutros campos, de oportunidade de recreação cultural, ou desportiva, etc.), mas um correspectivo, dado pela comunidade política, da proibição que dirige a todos aqueles que estão sujeitos ao poder político de não poderem usar a força para garantia dos próprios direitos. O Estado organiza um sistema de justiça para compensar aquilo de que priva os cidadãos (ou outros sujeitos ao respectivo poder). Restaura essa sua condição activa, ao poderem contender para defesa dos seus direitos, da condição passiva de não o poderem fazer pelos seus próprios meios.
Daqui resulta a necessária gratuitidade do sistema de acesso ao Direito? Certamente que não (aliás, se há domínio em que se justifica um certo nível de custo que modere o acesso a uma actividade pública é este…). Mas reclama certamente que as barreiras que se colocam a esse mesmo acesso devam ser sujeitas a rigorosos filtros de proporcionalidade. Desde estas reflexões, a proposta do PCP parece apontar no bom sentido.
Imagem de Edward Lich por Pixabay