Qui. Jun 19th, 2025
‘Duas Asas’ – rubrica dedicada ao pensamento e escritos de Edith Stein
(Parceria com o Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro)

Aproximação empática à Sagrada Escritura

Javier Sancho*

Tudo quanto fomos descobrindo sobre o acto da empatia está a indicar quão justificada seria uma leitura do texto sagrado com este instrumento de trabalho tão próprio do ser humano. De facto, na Sagrada Escritura não nos encontramos com frios relatos históricos, mas com uma experiência de um Deus que se foi revelando como salvação ao longo da história. Os escritores dos diversos livros que compõem o conjunto bíblico são, na maioria dos casos, testemunhas qualificadas dessa presença e da passagem de Deus pela História.

De um ponto de vista narrativo, um dos objectivos imediatos dos autores dos livros bíblicos (pensemos de um modo mais palpável nos Evangelistas) consiste em suscitar o assentimento da fé a partir do anúncio de um testemunho de vida. De facto, poderíamos pensar que os autores dos quatro Evangelhos, quando se propõem escrever sobre Jesus, procuram favorecer no leitor a possibilidade de se aproximar e conhecer de perto a Jesus, ao Outro, pondo diante dos olhos do leitor uma experiência distinta, nova, que necessariamente – se empatizada na fé – leva à confissão de que Jesus é o Senhor.

Neste sentido, a intenção do evangelista está a oferecer conteúdos experienciais que se constituem no objecto imediato do acto da empatia, do qual pode fazer uso o leitor. E quem assim se aproxima da Escritura será capaz certamente de captar uma boa parte do essencial. E não assistirá à sua leitura como um espectador frio, mas ver-se-á implicado na mesma realidade que ali é narrada. Ver-se-á transladado para «um mundo novo», talvez em grande parte desconhecido, mas que vai transformando a pessoa sem quase se dar conta. E isto torna-se mais efectivo na medida em que a pessoa se aproxima com o pressuposto da fé já presente nela.

Edith Stein é testemunha experiencial de que inclusivamente uma leitura empática da bíblia, mesmo sem o pressuposto da fé, pode servir de ajuda na busca e disposição pessoal para receber o dom da fé, e portanto, a crer no Deus de Jesus Cristo. Uma leitura empática não pode deixar indiferente as pessoas. Numa carta ao filósofo Roman Ingarden, datada em 1918, pouco antes de que Edith fizesse experiência mística da presença de Deus, faz-nos ver como uma tal aproximação à Escritura, acaba por afectar e interrogar a própria existência:

«Esforço-me uma e outra vez em vão, por compreender o papel que os humanos jogamos na história do mundo. Há algum tempo chamou-me a atenção uma passagem do Evangelho de Lucas: “O Filho do homem parte, como está decidido. Mas ai daquele que o haverá de entregar” (Lc 22, 22). Acaso não tem isto uma aplicação universal? Somos nós quem levamos os acontecimentos adiante e somos responsáveis disso. E, no entanto, no fundo, não sabemos o que fazemos, e não podemos deter a história do mundo, mesmo que renunciemos a ela, Isto certamente não é fácil de compreender. Além disso,  para mim a religião e a história acontecem juntas…»21.

É que por meio da empatia torna-se possível o reviver a história, o passado, um acontecimento ou a experiência de alguma figura, como aproximando-a a si, estando aberta a possibilidade de encontrar um sentido de comunhão entre a própria experiência e a experiência do outro. Isto é tanto mais possível, quanto mais capacidade de empatizar a pessoa conquista, e sobretudo quanto maior é a sua experiência directa de Deus. Neste sentido, e tal como afirma Rolf Kühn ao estudar as intuições de base em Edith Stein, na vida mística dar-se-ia a mais pura e autêntica prática da empatia22.

Para Edith Stein significa que o Santo, o místico, tem uma capacidade empática muito desenvolvida, que o levam a ter um sentido mais claro e objectivo da realidade, e tem uma maior capacidade de perceber a experiência ou experiências que se enquadram nos relatos bíblicos23. Assim, ao falar do contacto de S. João da Cruz com as Escrituras, afirma:

«… a sua própria experiência abre-lhe os olhos para o conhecimento místico dos Sagrados Livros… tudo se lhe torna transparente e permite-lhe dirigir um olhar cada vez mais rico e profundo ao único que pretende alcançar: o caminho da alma para Deus e a acção de Deus na alma»24.

Antes de passar a apresentar algumas propostas práticas que Edith nos oferece para uma aplicação da empatia na leitura da Bíblia, poderíamos concluir este apartado dizendo que uma leitura empática da Escritura, não só é legítima, mas pode ser uma chave de acessível e ao alcance de todos para poder captar pessoalmente a mensagem da Revelação, e deste modo podê-la transformar em vida. Isso evitaria, além disso, o perigo ao qual nos pode levar alguma das tendências presentes na exegese bíblica moderna: fazer-nos quase crer que a mensagem da Escritura é inacessível se antes não se conhecem a língua, os condicionamentos históricos, os estratos redactoriais, o autor material do livro, etc… Ler empaticamente a Bíblia, significará em último termo penetrar nos horizontes da mesma vida divina, quase foi encarnando em experiências, acontecimentos e personagens, que a Sagrada Escritura nos apresenta. Constataremos certamente que Edith Stein não dedica nenhum estudo a isso. Mas os seus recursos a esta técnica, dar-nos-ão as pistas necessárias para que possamos aplicar à leitura da Escritura o acto da empatia.

 

*Javier Sancho. La Biblia con ojos de mujer. Edith Stein y la Sagrada Escritura. Editorial Monte Carmelo, 2001. Pp. 67-69.
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21 Carta de 19 de Fevereiro de 1918, em Cartas a Roman Ingarden, EDE, Madrid, 1998, p. 74.

22 Cf. R. KÜHN, Leben aus dem Sein. Zur philosophische Grundintuition Edith Steins, em Freiburger Zeitschift für Philosophie und Theologie 35 (1988) 161.

23 Sobre este aspecto deter-nos-emos mais de perto no apartado deste capítulo dedicado à «sabedoria da Cruz».

24 CC 45.