Casa comum | Por uma ecologia integral
Pe. João Santos*
Quem visitar o Santuário de S. João Paulo II em Cracóvia encontra os mosaicos de Marko Rupnik. Gostaria aqui de destacar o mosaico da criação, no qual Adão e Eva são apresentados com vestes esplendorosas e não sem roupa, como é costume da tradição ocidental (cf. i.pinimg.com/originals/76/6b/47/766b47afee5609d6ff84896e5319ce3e.jpg). Se à primeira vista isto pode parecer um desfasamento bíblico, a intenção do mosaicista é bem diferente; para ele, no seguimento, da tradições de alguns Padres da Igreja do Oriente, Deus quando cria o homem e o constitui como cuidador do jardim do Éden, está de facto a chamá-lo a ser sacerdote, ou seja a cuidar de toda a realidade criada, toda a matéria, de modo a que esta dê glória a Deus. Daí que este apareça no jardim do Éden vestido de glória. Nesta tradição, é pelo desejo de querer reter e dominar, que o primeiro homem e primeira mulher se vêem nus e com medo um do outro, afectando a relação com todos os seres vivos. Não é de estranhar, que fundamentado nesta teologia, Marko Rupnik coloque o seu trabalho de artista como transformador da matéria de modo que esta dê glória a Deus e possa revelar Deus àqueles que a contemplam.
Podemos questionar-nos que isto tem que ver com a realidade actual e de modo especial com esta a semana Laudato Si, assinalando os cinco anos da publicação desta Encíclica. Em primeiro lugar, todos estamos cientes da centralidade neste documento da Ecologia Integral, como dinamismo e processo em que nos reconhecemos como membros de um ecossistema, graças ao qual devemos a vida e graças do qual somos chamados a ser cuidadores. Mas é aqui que se coloca em evidência o que em cima reflectíamos, e que o Papa Francisco assinala como a raiz humana da crise ecológica. É a partir do coração humano, carente de redenção, que se fundamenta a crise ecológica, pois é aí que se fundamenta a relação da pessoa humana com a sua envolvência. O próprio Papa Francisco salienta a necessidade de uma conversão ecológica, que torne o homem capaz de cuidar da Casa Comum, estabelecendo uma justa relação com as coisas criadas e especialmente com o próximo (217).
O Metropolita ortodoxo John Zizioulas, coloca no livro The Eucharistic communion and the world (versão inglesa) que a missão de cuidador passa por ser sacerdote da criação. No seguimento de São Máximo Confessor e de São Macário do Egipto, ele coloca que a pessoa humana é essencial na ligação entre a natureza e Deus. Porém, esta realidade precisa que a racionalidade humana busque e oriente todas as coisas para a glória do criador e não as volte apenas para o homem, atitude onde se situa precisamente a raiz humana da crise ecológica (p. Zizioulas, The Eucharist Communion and the World, T&T Clark, p. 165). Tal acontece quando o Homem se descobre como pessoa, ou seja, como ser em relação, reconhecendo a sua ligação à criação. Tratamos de facto da sua identidade: se crise ecológica deriva do uso utilitarista e pragmático da criação, Zizoulas muda de paradigma para que Homem redimido se reveja como ser em comunhão com a natureza. Se de facto, o homem necessita da criação para sobreviver, a sua acção tanto pode levar à destruição da criação, ao desenvolvimento de relações injustas, como também se pode descobrir integralmente como ser em comunhão, transformador da realidade para um paradigma de inclusão e de abertura ao divino pelo trabalho realizado.
É por isto que a arte nos pode revelar Deus, porque a matéria pode, quando transformada, transportar amor e beleza; é por isto também, que a liturgia acontece mediante os sinais concretos da água, do azeite, do pão, do vinho, símbolos de vida divina. A ecologia integral do Papa Francisco, no meio da crise ecológica actual, pode de facto, tornar-se assim, fonte de espiritualidade.