Qui. Jun 19th, 2025

Casa comum | Por uma ecologia integral

 


Pe. João Santos*

Quem visitar o Santuário de S. João Paulo II em Cracóvia encontra os mosaicos de Marko Rupnik. Gostaria aqui de destacar o mosaico da criação, no qual Adão e Eva são apresentados com vestes esplendorosas e não sem roupa, como é costume da tradição ocidental (cf. i.pinimg.com/originals/76/6b/47/766b47afee5609d6ff84896e5319ce3e.jpg). Se à primeira vista isto pode parecer um desfasamento bíblico, a intenção do mosaicista é bem diferente; para ele, no seguimento, da tradições de alguns Padres da Igreja do Oriente, Deus quando cria o homem e o constitui como cuidador do jardim do Éden, está de facto a chamá-lo a ser sacerdote, ou seja a cuidar de toda a realidade criada, toda a matéria, de modo a que esta dê glória a Deus. Daí que este apareça no jardim do Éden vestido de glória. Nesta tradição, é pelo desejo de querer reter e dominar, que o primeiro homem e primeira mulher se vêem nus e com medo um do outro, afectando a relação com todos os seres vivos. Não é de estranhar, que fundamentado nesta teologia, Marko Rupnik coloque o seu trabalho de artista como transformador da matéria de modo que esta dê glória a Deus e possa revelar Deus àqueles que a contemplam.

Podemos questionar-nos que isto tem que ver com a realidade actual e de modo especial com esta a semana Laudato Si, assinalando os cinco anos da publicação desta Encíclica. Em primeiro lugar, todos estamos cientes da centralidade neste documento da Ecologia Integral, como dinamismo e processo em que nos reconhecemos como membros de um ecossistema, graças ao qual devemos a vida e graças do qual somos chamados a ser cuidadores. Mas é aqui que se coloca em evidência o que em cima reflectíamos, e que o Papa Francisco assinala como a raiz humana da crise ecológica. É a partir do coração humano, carente de redenção, que se fundamenta a crise ecológica, pois é aí que se fundamenta a relação da pessoa humana com a sua envolvência. O próprio Papa Francisco salienta a necessidade de uma conversão ecológica, que torne o homem capaz de cuidar da Casa Comum, estabelecendo uma justa relação com as coisas criadas e especialmente com o próximo (217).

O Metropolita ortodoxo John Zizioulas, coloca no livro The Eucharistic communion and the world (versão inglesa) que a missão de cuidador passa por ser sacerdote da criação. No seguimento de São Máximo Confessor e de São Macário do Egipto, ele coloca que a pessoa humana é essencial na ligação entre a natureza e Deus. Porém, esta realidade precisa que a racionalidade humana busque e oriente todas as coisas para a glória do criador e não as volte apenas para o homem, atitude onde se situa precisamente a raiz humana da crise ecológica (p. Zizioulas, The Eucharist Communion and the World, T&T Clark, p. 165). Tal acontece quando o Homem se descobre como pessoa, ou seja, como ser em relação, reconhecendo a sua ligação à criação. Tratamos de facto da sua identidade: se crise ecológica deriva do uso utilitarista e pragmático da criação, Zizoulas muda de paradigma para que Homem redimido se reveja como ser em comunhão com a natureza. Se de facto, o homem necessita da criação para sobreviver, a sua acção tanto pode levar à destruição da criação, ao desenvolvimento de relações injustas, como também se pode descobrir integralmente como ser em comunhão, transformador da realidade para um paradigma de inclusão e de abertura ao divino pelo trabalho realizado.

É por isto que a arte nos pode revelar Deus, porque a matéria pode, quando transformada, transportar amor e beleza; é por isto também, que a liturgia acontece mediante os sinais concretos da água, do azeite, do pão, do vinho, símbolos de vida divina. A ecologia integral do Papa Francisco, no meio da crise ecológica actual, pode de facto, tornar-se assim, fonte de espiritualidade.

* João Santos nasceu em Canedo, Santa Maria da Feira, 1981. Padre da Diocese de Aveiro. Em 1999, ingressou em Engenharia do Ambiente na Universidade de Aveiro, tendo concluído os estudos de licenciatura em Engenharia do Ambiente em 2004. Após algumas experiências profissionais, foi Bolseiro de Iniciação à Investigação em Aveiro e em Viseu, desde 2006, na área da saúde e do ambiente, tendo terminado o Mestrado em Engenharia do Ambiente pela Universidade de Aveiro em 2007, ano em que entrou para o Seminário. Em 2014, concluiu o Mestrado em Teologia. Em Julho de 2015, foi ordenado padre, tendo estado, desde então, ao serviço no Seminário de Aveiro, onde atualmente é o Reitor.