Sex. Mar 29th, 2024

Oratório Peregrino

Um oratório à maneira de um viático para tempos de carestia
Uma proposta desenvolvida em parceria com

Irmãs do Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro


IX Passo | “Estando muitas vezes tratando a sós”

 

Vamos continuar a preparar a bagagem para nos lançarmos na aventura de percorrer o nosso caminho orante. Mas desta vez vamos ter em conta as exigências psicológicas de cada pessoa.

 

a Cultivo da soledade

“Acostumar-se à soledade é grande coisa para a oração” (C 4, 9). “Dos que começam a ter oração… têm necessidade de se ir acostumando a… estar em soledade” (V 11, 9). E para que não se julgue que é invenção da sua cabeça, recorre ao dado evangélico: “Já sabeis que Sua Majestade nos ensina que seja a sós; e assim fazia Ele sempre que orava” (C 24, 4).

Teresa fala aqui da solidão material. Da que implica espaço e tempo. Esta soledade não é um luxo, é uma necessidade de todo o orante. E também não é fuga de nada nem de ninguém, como muitos interpretam. É apenas presença de Alguém e um estar diante de Alguém. A soledade afina a capacidade do homem para captar a voz de Deus. “É para entendermos com quem estamos”

A soledade não se justifica por si mesma, mas apenas enquanto ajuda o orante. Da parte do homem criar soledade é preparar o acolhimento do Senhor e, por isso mesmo, é uma delicadeza de amor. Mas Deus não se comunica só na soledade.

Quanto a ter esta soledade “muitas vezes”… A Santa também o recomenda. Necessitamos de tempos de oração “pois é o não tratar com uma pessoa que causa estranheza… parentesco e amizade perdem-se com a falta de comunicação” (C 26, 9).

Mas estes tempos deverão acompanhar as necessidades de quem ora: trabalhos, cargos, etc. Ao seu próprio irmão Lourenço, previne: “E nem pense que, tendo mais tempo, teria mais oração… Muitas vezes Deus dá mais num momento, do que em muito tempo; as suas obras não se medem pelos tempos”.

b Comunicação de experiências de oração:

Para Teresa, praticar vida de oração e procurar confrontar e comunicar as suas experiências é tudo uma mesma realidade. A oração não a encerra num individualismo frio, distante ou narcisista. Pelo contrário, precisa de sintonizar com a de outros para evitar desvios ou para se animar no caminho empreendido.

Ela própria atribui as suas repetidas – e exageradas – quedas neste terreno, assim como o tardio encarreirar da sua vida de oração, à falta de pessoas com quem partilhar e tratar a sua oração.

“De mim sei dizer que, se o Senhor não me descobrisse esta verdade e dado meios para que eu muito de ordinário tratasse com pessoas que têm oração… iria a dar direita ao inferno” (V 7, 22).

Partilhar a oração é também um meio de defesa. “Se um se começa a dar a Deus… é-lhe necessário buscar companhia para se defender… é mister guardarem-se as costas” (V 7, 22). A oração partilhada é uma defesa contra as dificuldades que surgem do ambiente e das próprias fraquezas interiores. O grupo protege e salvaguarda, promove e aviva o trato com Deus.

c Um mestre de oração:

Finalmente, Teresa vê como variante desta comunicação e como uma necessidade quase imprescindível para quem deseja empreender e continuar este caminho, o recurso a um director espiritual.

Lamenta-se quando recorda um tempo em que não o teve: “Eu não encontrei mestre… embora procurasse durante vinte anos”. “Vi que a minha alma não tinha força para, sozinha, caminhar com perfeição” (V 23, 5). E alegra-se quando o encontra na pessoa do P. Diego de Cetina: “Que grande coisa é entender uma alma!”

É firme a sua convicção de que a falta de mestre e a carência de direcção são dificuldades quase insuperáveis. Por isso procura encontrá-la em confessores “avisados e letrados”.

Depois de escutarmos Teresa a aconselhar-nos a levar para o caminho a determinação de estar a sós com Deus, de partilhar a nossa oração e de procurar alguém que nos possa orientar no caminho, vamos agora procurar escutar o nosso Deus que nos quer falar ao coração.

«Amei-te com amor eterno»

2Assim fala o Senhor:

Amei-te com um amor eterno.

Por isso, reservei graça para ti.

4Hei-de construir-te, e serás reconstruída!

 Ainda te hás-de adornar dos teus tamborins e

participar em alegres danças.

De novo plantarás vinhas nas colinas da Samaria,

e os cultivadores recolherão os frutos,

6porque há-de chegar o dia

em que as sentinelas gritarão sobre os montes:

‘Levantai-vos! Subamos a Sião, ao Senhor, nosso Deus.’»

Jr 31

Às vezes escutamos: ‘Deus não me ama. Deus não quer saber de mim. Deus não me escuta. Deus deixou-me nesta situação em que mais precisava d’Ele…

Quando perguntava a Deus porque é que estas palavras passam pela nossa boca e o nosso coração, dava-me conta de que não é Ele que não nos ama, somos nós que não sabemos estar diante Dele. Somos nós que temos que deixar de impor a Deus as nossas medidas baixas de amar, de escutar, de conhecer, de estar…

Recordo-me que quando rezei a ida de Maria Madalena ao sepulcro, e conversava sobre ela com Jesus, entendia que as suas lágrimas à entrada do sepulcro não eram porque lhe tinham roubado o corpo do Senhor. Eram porque lhe tinham roubado a sua forma de conhecer o Senhor, algo mais profundo, tiraram-lhe a posse Daquele que ela já conhecia e amava. Ela já O possuía segundo a sua capacidade de amar, de escutar e conhecer… mas agora chorava porque tinha perdido tudo.

As lágrimas eram o grande impedimento, significavam que estava presa ao passado, por isso, foi preciso que o Senhor a chamasse pelo nome para descobrir que o morto já não estava ali no sepulcro, porque Ele não era um Deus de mortos mas de vivos. Ele estava Vivo!

Ele já não a amava com um amor humano, mas com um amor eterno, que a levava a descobri-Lo como Deus – um Deus que se baixava até ela e a tornava testemunha da sua Ressurreição, do seu Amor divino, da sua Vida.

 

A pergunta é com que amor nos ama Deus?

Deus ama-nos com amor Eterno. Então é com medida de eternidade que temos de receber, acolher este amor e deixarmo-nos amar. E o que é a medida da eternidade? É a medida do próprio Deus.

Disse o Senhor: Amei-te com amor eterno. Por isso dilatei as entranhas da minha misericórdia para contigo, reservei graça para ti. A graça é o que produz a presença de Deus naquele que O ama. Deus diz-nos que dilatou o Seu Coração para nós, abriu-o para vivermos no seu amor e do seu amor.

«Hei-de construir-te e serás reconstruída.» O amor do Senhor tem esta propriedade: recriar-nos e nós nascemos de novo, mas segundo a condição do Senhor, semelhantes a Ele. O “divino” do Senhor começa a dar forma ao ser humano que somos e vamo-nos tornando seres espirituais com capacidade de acolher e estar na presença do Senhor que é ‘espírito e vida’. O Senhor ama-nos e o seu amor faz-nos nascer como pessoas novas, pessoas capazes de estar e viver na presença de Deus.

E como sabemos que nascemos de novo?

Jeremias aponta-nos três sinais: alegria, a fecundidade e a relação com o Senhor.

 

A alegria: «Ainda te hás-de adornar dos teus tamborins e participar em alegres danças.»

A alegria como expressão da graça que a presença Deus derrama em nós – «Alegra-te porque encontras-te graça diante de Deus».

A fecundidade: «De novo plantarás vinhas nas colinas da Samaria, e os cultivadores recolherão os frutos».

A fecundidade como capacidade de gerar vida. A nossa vida entregue ao amor gera vida. Quando agimos por amor estamos a plantar vinhas, isto é, geramos o vinho novo do Espírito Santo que continua a obra da redenção do mundo. Os frutos do amor são a presença do Reino entre nós. A nossa vida está destinada à fecundidade do amor eterno que é a construção do Reino de Deus nesta terra. «Demos graças a Deus Pai que nos chama a tomar parte na herança dos santos na luz divina. Ele nos libertou do poder das trevas e nos transferiu para o Reino de Seu amado Filho».

A relação com o Senhor – «Porque há-de chegar o dia em que as sentinelas gritarão sobre os montes: ‘Levantai-vos! Subamos a Sião, ao Senhor, nosso Deus.’»

O Senhor é o dia e chegará o momento em que nos descobrimos n’Ele, porque nele somos, nos movemos e existimos, então nos levantaremos e subiremos até ao Senhor. Levantar-se significa sair de si, subir até ao Senhor significa transferir o centro da nossa vida para Ele. Deixarmo-nos a nós para deixá-Lo ser em nós. Acolhermo-nos do Seu Amor, à imagem do Verbo Eterno que se acolhe do Pai. Este movimento é o: ‘Levantai-vos! Subamos a Sião, ao Senhor, nosso Deus.’»

Um levantar-se que é deixar-se, sair de si. Um subir que é estabelecer-se em Deus, na sua paz. E reconhecer o Senhor como o Nosso único Deus. Reconhecer Aquele a quem pertencemos desde toda a eternidade, porque nos chamou a existência por amor. E porque nos ama dá-nos a vida como caminho para a eternidade.

«Amei-te como amor eterno por isso reservei graça para ti.» A graça que Deus preparou para nos dar, e nos quer dar, é o próprio caminho para a eternidade, para a comunhão de vida e amor com Ele.

O nosso desafio hoje é fazermos silencio para nos encontrarmos a sós com o Senhor. E aí na sua presença tomarmos consciência da nossa relação com Ele, perguntando-nos:

Deixo-me amar por Deus?

Com que amor Deus me ama?

Que marcas destes três sinais, do amor divino, encontro na minha vida?

Oração

«Oh, amo tanto a Jesus!

Queria inflamar-te nesse amor.

Que dita a minha se te pudesse dar a Ele!

Oh, nunca tenho necessidade de nada,

Porque em Jesus tenho tudo o que procuro.

Ele jamais me abandona.

Jamais o seu amor diminui.

É tão puro. É tão belo.

É a própria Bondade.»

 

Imagem de mohamed Hassan por Pixabay