Oratório Peregrino
Um oratório à maneira de um viático para tempos de carestia
Uma proposta desenvolvida em parceria com
Irmãs do Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro
VI – Seguros em plena noite
A fé não é uma evidência; a fé é um conhecimento obscuro.
Às vezes parece que o nosso acto de fé só encontra obscuridade. Sim! É a experiência normal; no entanto, através da obscuridade «tocamos» a Deus. O Evangelho afirma que a fé chega até Deus; algumas passagens o demonstram. Temos que ter fé nesta lei do Evangelho; crer que a fé nos ilumina. Deus faz-nos sentir a obscuridade, quer deslumbrar a nossa inteligência; a luz de Deus produz sempre este efeito.
Diríamos com gosto que a fé é quase um acto de amor. É um compromisso.
O Evangelho fala-nos da pecadora que unge os pés de Jesus, em casa de Simão o fariseu, com um perfume muito caro (Lc 7, 36-50): «A tua fé te salvou, vai em paz». A pecadora manifesta o seu amor. E Nosso senhor enaltece a sua fé: fé que é um acto de amor e de entrega de nós mesmos. É um dom da pessoa, é a pessoa que se compromete. O que tinha movido esta mulher a ir ao encontro de Nosso Senhor tinha sido o arrependimento dos seus pecados, ia ao seu encontro com todo o seu ser e queria mostrar-lhe a sua submissão. Voltou para casa transformada. Cito o Evangelho, não invento nada. São realidades que apenas nos atrevemos a contar se não estivessem no Evangelho.
Temos que sublinhar o papel insubstituível da fé na vida espiritual. É uma adesão razoável, é um compromisso. Se não houver entrega, compromisso de nós mesmos, como no caso da pecadora, a fé não está completa. Mas quando existe a entrega, Deus se dá e realiza-se uma união entre Deus e eu. A fé é obscura e, portanto, não percebemos os seus efeitos nem com a inteligência nem com os sentidos.
O primeiro acto de adesão é difícil; uma vez que nos comprometemos, Deus dá-nos o seu amor, e o amor nos transforma progressivamente. A fé manifesta-se no compromisso. Temos que passar pela obscuridade, as trevas, temos que nos comprometer. Sejam quais forem os obstáculos que se interpõem entre deus e nós, podemos salvá-los pela fé e estabelecer contacto com Deus (I, 6-4-66).
Sim, oro e «tocou» a Deus pela fé… Mas não sinto nada, só encontro obscuridade. Tenho fé? Temos que compreender que a fé é uma noite» e não devemos fiar-nos do que sentimos.
Noite, para quem? E porquê? Fundamentalmente para a sensibilidade e para a inteligência, que não estão adaptadas ao sobrenatural. Os sentidos estão adaptados ao mundo sensível e a inteligência está feita para ter ideias claras. Embora o acto de fé necessite da inteligência, no entanto esta permanece na obscuridade quando se trata da transcendência, do infinito, de Deus. O nosso Deus é «um Deus escondido» (Is 45, 15). Um Deus escondido que se manifesta, um Deus revelado que continua a estar escondido.
João da Cruz repete sem cessar que «a fé é noite escura para a alma», mas, a seguir, acrescenta: desta maneira dá-lhe luz… porque cegando lhe dá luz» (2 S 3). A fé está acima de todo o entender, gostar, sentir e imaginar; por isso, é um conhecimento obscuro.
O acto de fé introduz a inteligência no mistério de Deus. Em nada destrói os conhecimentos humanos que lhe servem de suporte, mas vai mais longe, mais além das ideias, unicamente para Deus, para mergulhar n’Ele. A inteligência adere à verdade de Deus, embora não a compreenda claramente. Mas crer não é apenas conectar intelectualmente; é comprometer-se pessoalmente. A fé, embora seja um dom de Deus, é também um acto da vontade livre. Na oração não procuro compreender a Deus; quero encontrar-me com Ele, unir-me a Ele com todo o meu ser; procuro penetrar no seu mistério por meio da fé viva.
A fé é uma vida. E o amor – caridade sobrenatural – é quem guia a alma na noite da fé. A pecadora perdoada manifestou a sua fé mostrando muito amor (Lc 7, 47); o seu gesto é um gesto de amor.
«A fé e o amor são esses dois moços do cego que te hão-de guiar por onde não sabes, lá ao escondido de Deus», diz-nos também São João da Cruz (CB 1, 11).
O Padre Eugénio Maria apresenta muitas vezes Maria como modelo de fé. Maria vivia ao lado do seu Filho na escuridão do mistério divino. Sabia com absoluta certeza que trouxera no seu seio o Salvador. O fiat de Anunciação foi um compromisso na fé e, ao mesmo tempo, uma resposta de amor; vivia de fé. «Feliz de ti que acreditaste» (Lc 1, 45). O que o Espírito Santo exalta por meio de Isabel é a fé de Maria. Fé: certeza e noite ao mesmo tempo! Ninguém conheceu melhor a noite que a Santíssima Virgem, porque ninguém penetrou mais no mistério de Deus (P 187).
À mulher que grita no meio da multidão: «Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram!», Jesus responde: «Felizes, antes, os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 11, 27-28). O que torna Maria «bem-aventurada» não é ter levado o Salvador no seu seio. Jesus exalta a fé de Maria; Maria é «feliz» porque acreditou na palavra de Deus. E ao apóstolo Tomé, o incrédulo, que professa a sua fé depois de ter tocado o corpo do Ressuscitado – «Meu Senhor e meu Deus» – Jesus revela-lhe a bem-aventurança da fé: «Felizes os que crêem sem terem visto!» (Jo 20, 29).
Ó meu Deus, na noite em que me encontro, creio que estás aí.
Não vejo, mas creio.
Creio que estás a meu lado.
Guia-me para essa longínqua luz que me atrai apesar da obscuridade que me rodeia.
No próprio coração da noite, a fé é luz.
«Sem outra luz nem guia
Senão a que no coração ardia.
Ó noite que guiaste!
Ó noite amável mais que a alvorada!» (NE 3 e 5).
Mas nesta vida de fé
tem-se uma experiência,
que não é claridade para a inteligência,
mas sim certeza para a alma:
Deus está presente e vivo!
Deus luz… Deus Amor…
Continua a ser noite,
mas a alma está como absorta
nesta obscuridade.
Deus dá-se. Deus sustenta-nos.
É uma luz que vem do amor, não da inteligência. Nesta noite, a comunicação entre Deus e a alma não é de ideias, mas um intercâmbio de amor. É uma fonte de luz diferente! É um conhecimento produzido pelo amor, uma adesão realizada pelo amor. A fé reside na firmeza da adesão que compromete a pessoa: fé viva, fé amorosa, que se desenvolve na esperança e conduz à união da alma com Deus.
Nesta obscuridade,
a alma caminha com segurança.
Acaso não tem o Mestre
que despertou nela?
Não está só…
Sabe-o obscuramente… mais feliz do que nunca;
Caminha segura sob a luz
Da chama viva que arde no seu coração.