Oratório Peregrino
Um oratório à maneira de um viático para tempos de carestia
Uma proposta desenvolvida em parceria com
Irmãs do Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro
IV – Orar com todo o meu ser
A oração é uma tomada de contacto com Deus, alimentada pelo amor. Como vou entrar em contacto com Deus? Com toda a minha pessoa.
Há em mim três actividades, três vidas: a vida física, a vida intelectual e a vida espiritual, sobrenatural. Com qual vou poder ir a Deus? Fá-lo-ei com as três; não vou eliminar nenhuma, porque vou a Deus com toda a minha pessoa.
Tenho uma vida física. Vou fazer que o meu corpo contribua para esta busca de Deus com a minha atitude corporal, atitude de oração diante de Deus. Ao fazer isto, o meu corpo ora e a minha alma também ora porque está orientada para Deus.
Tenho também uma vida intelectual. Penso em Deus. Penso numa cena do Evangelho, ponho as minhas faculdades a trabalhar; a inteligência, a imaginação. Só o amor faz que a minha vontade as mantenha em actividade nesta busca de Deus.
Temos uma terceira vida, a graça. Esta vida sobrenatural não é independente da vida natural. Esta vida é participação da vida de Deus; uma capacidade de amar a Deus como Ele se ama.
A ciência da oração será uma síntese destas três actividades, destas três vidas. Temos que respeitar o papel de cada uma, o lugar e o valor que tem, para poder chegar a Deus verdadeira e eficazmente. Vou a Deus com todo o meu ser, com as minhas três vidas, que se activam para buscar a Deus.
A grande dificuldade que experimentamos na oração é a impressão de que Deus não se dá; temos a impressão de estar sós. Não percebemos o fruto da actividade divina.
A maioria das vezes desanimamos porque julgamos que estamos sós, e fiamo-nos dessa impressão que temos… Temos que renovar a nossa fé nesta verdade: o fruto da oração é o fruto de uma dupla actividade; a nossa e a de Deus (I 19-8-56).
O desejo do homem é orar, encontrar-se com Deus. E a oração é este encontro amoroso da pessoa humana com Deus. No entanto, o orante encontra dificuldades. «Não sei rezar…». Quem de nós nunca disse isto?
O Padre Eugénio Maria ensina-nos que a oração é um acto de todo o nosso ser que se orienta para Deus para se encontrar com Ele.
«Tu, porém, quando orares, entra no quarto…» (Mt 6, 6). Que quer dizer isto? Que o tempo e o lugar são importantes. No entanto, é verdade que estamos muito ocupados, solicitados por todos os lados.
Em primeiro lugar, temos que encontrar tempo para orar: Deus tem direito a que lhe demos um pouco do nosso tempo! Tem necessidade de que nos ocupemos d’Ele, de que sejamos cada vez mais conscientes das realidades sobrenaturais… De que sejamos conscientes da sua presença. Temos alguma coisa urgente que fazer? A grande urgência que temos é esta: dar tempo a Deus! (I 2-8-61). Não um momento de vez em quando, mas um tempo perdido para Deus, regularmente. E para orar temos também necessidade de um lugar que favoreça o recolhimento: a presença real de Jesus na Eucaristia, uma paisagem que nos faça descansar, uma imagem que nos traga paz… «Fecha a porta…», fecha a porta ao ruído, à agitação, às preocupações. Sim, temos que encontrar tempo, temos que encontrar um lugar; temos de compreender a necessidade disto.
«Reza em segredo a teu Pai». Deus é meu Pai; procuro-O com confiança, com a certeza de que está ali e me espera. Mas tenho que fazê-lo; tenho que dar o passo.
É importante na oração a atitude do nosso corpo. A minha vida sensível intervém na oração. O Evangelho diz-nos que o leproso (Lc 17, 16) ou o cego (Jo 9, 38), curados por Jesus, se prostraram diante d’Ele: uma oração de agradecimento que se manifesta exteriormente e ajuda a alma a orientar-se para Deus.
«Reza em segredo a teu Pai». Sou convidado a encontrar-me com Ele na intimidade do coração. Nesta mesma passagem do Evangelho, Jesus ensina a oração vocal. Mas antes (Mt 6, 7) adverte-nos: Nas vossas orações, não sejais como os gentios… Rezai assim: Pai nosso…». A oração vocal, falada ou cantada, tem o seu valor, na condição de conter este impulso, este olhar para Deus.
O meu pensamento dirige-se para Ele. A minha oração pode ser uma meditação da Palavra de Deus: leitura silenciosa, acompanhada pelo trabalho da imaginação, da reflexão; imagino alguma cena do Evangelho; reflicto sobre uma palavra de Jesus. Esta meditação, que é um trabalho das minhas faculdades naturais, ainda não é oração, como também não o é a atitude do corpo. Orienta-me para a presença de Deus, mas só chega a ser verdadeiro encontro, comunhão com Deus, quando já não houver actividade intelectual.
Tenho uma terceira vida que Deus me deu: a graça baptismal, a vida divina, a participação na mesma vida de Deus, que está enxertada na minha humanidade e me faz capaz de ter uma relação de intimidade com Deus.
A ciência da oração é a ciência da síntese destas três vidas que são indissociáveis: física, intelectual, sobrenatural. Procuro a Deus com todo o meu ser, com todas as minhas vidas (I 19-8-56). Cada uma tem o seu papel, o seu lugar na unidade da minha pessoa, mas o contacto vivo e íntimo com Deus só o posso realizar com a terceira vida. Para activar este amor sobrenatural, utilizarei todos os recursos da minha humanidade, e com a minha vontade livre orientarei o meu amor para Deus.
O Padre Eugénio Maria recorda-nos que Santa Teresa do Menino Jesus, quando era criança, fazia oração olhando as estampas. «Esquecia as horas a olhar para elas» (Ms A 31 v); estas estampas emocionavam-na, e diziam-lhe «tanto», que ficava «extasiada…», levavam-na a recolher-se, a mergulhar em Deus, uniam-na com Ele.
Cada um tem que encontrar o que condiz com o seu temperamento, o que o ajuda a recolher-se, e terá também que variar os meios; quando um meio está gasto, temos que procurar outro. Todos os meios, atitudes e gestos do corpo – leitura espiritual, meditação – são bons se forem trampolins que façam surgir o nosso amor filial.
A oração é pessoal: conforme os momentos, as idades e os temperamentos, existe uma variedade quase infinita de maneiras de entrar em contacto com Deus. E isto deve afastar-nos de toda a sistematização (I 19-8-56). A alma tem necessidade de ter esta liberdade com Deus.
«Teu Pai, que vê o oculto, há-de recompensar-te» (Mt 6, 6). Então, Deus enche-nos do seu amor: é o fruto da oração.
E, no entanto, não sentimos nada. Talvez nos assalte a tentação de desanimar? Por isso, temos necessidade de saber o que é a fé e qual o seu papel na oração.
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