Oratório Peregrino
Um oratório à maneira de um viático para tempos de carestia
Uma proposta desenvolvida em parceria com
Irmãs do Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro
XI Passo | A sua recomendadíssima oração de recolhimento
A oração teresiana traduz-se muitas vezes por “oração de recolhimento”. Denominação que não parecerá exagerada se a colocarmos à luz das palavras com que Santa Teresa descreve a vitória que foi para ela, no seu esforço por conseguir orar, o “aprender a recolher-se”:
“O Senhor o ensine às que não o sabem, que eu por mim confesso que nunca soube o que era rezar com satisfação até que o Senhor me ensinou este modo” (C 29, 7).
Teresa apresenta-nos este estilo de oração como simples, eficaz e garantido pela sua própria experiência. Perante todos aqueles que a escutam ou lêem, não se cansa de insistir na sua facilidade e proveito espiritual.
“O Senhor o ensine às que não o sabem, que eu por mim confesso que nunca soube o que era rezar com satisfação até que o Senhor me ensinou este modo. E sempre encontrei tanto proveito neste costume de me recolher dentro de mim, que isto me fez alongar tanto” (C 29, 7).
Teresa vai buscar a palavra, a designação deste modo de orar, à linguagem da época; mas com ela adquire uma originalidade e simplicidade singulares. Implica, por um lado, um movimento de interiorização, um esforço por atrair os nossos sentidos para o interior, e aponta também na direcção de uma graça contemplativa que supõe a acção de Deus que atrai e recolhe.
A nossa exposição refere-se ao primeiro movimento, por se tratar de um método ou de uma técnica que está ao alcance do homem, sem que Deus tenha que intervir com uma graça de tipo místico, como seria o recolhimento infuso ou a chamada “oração de quietude”.
Na opinião da Santa, vale a pena empregar todo o esforço que esteja nas nossas mãos neste tipo de oração:
“Ó irmãs; as que não podeis discorrer muito com o entendimento, nem podeis manter o pensamento sem vos distrairdes, acostumai-vos, acostumai-vos! Vede: eu sei que podeis fazer isto… E, se num ano não o pudermos conseguir, que seja em mais! Não nos doa o tempo em coisa em que tão bem se gasta” (C 26, 2).
Teresa faz até questão de nos animar com um prémio garantido a prazo fixo: “Em um ano e talvez em meio, saireis com lucro, com o favor de Deus” (C 29, 8).
Este processo de “recolhimento” passa pelo uso de todos os recursos de que nos possamos valer para chegar a esta concentração dentro nossa própria interioridade.
Umas vezes fixar-nos-emos no corpo: posições, atitudes, horas determinadas, etc. Outras, no lugar onde pensamos que melhor nos recolhemos: ausência de ruídos, soledade física, música ambiente, visitas à natureza… Será necessário também aquietar os nossos sentidos interiores, em especial a imaginação…
A própria Teresa nos oferece os meios práticos de que se valeu pessoalmente para consegui-lo: ter à mão um livro para ler de vez em quando. Orar ao ar livre, diante dessa natureza, o livro aberto de Deus. Ter uma imagem, uma simples estampa sobre a qual pousar um olhar contemplativo. Enfim, recitar pausadamente aquelas orações vocais que mais devoção e estímulo nos tragam: elas podem dar início ao nosso diálogo.
Vamos agora fixar-nos numa imagem de Jesus que nos pode ajudar a recolher e acolher a graça que Ele nos quer oferecer.
«Da sua plenitude recebemos
graça sobre graça»
«Uma vez baptizado, Jesus saiu da água e eis que se rasgaram os céus, e viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e vir sobre Ele. 17E uma voz vinda do Céu dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus todo a minha complacência.» Mt 3, 16-17
Sempre que fazemos silêncio e paramos diante do Senhor, a contemplar o seu mistério, recebemos graça, uma graça que para nós é participação no seu mistério. É “entrar dentro” e tomar parte na vida divina que Ele encerra, ou se quisermos é ser movido pelo Espírito Santo para a plenitude do mistério que é a nossa verdade última.
É isto que vamos fazer, receber graça sobre graça da plenitude do Verbo feito carne. Para isso gostaria que víssemos o momento da vida de Jesus, que é o Baptismo, como um receber. E se nos perguntamos o que recebe Jesus ou se perguntamos a Jesus o que é que Ele recebe no Baptismo, vamos encontrar a mesma resposta a presença do Pai e do Espírito Santo e a voz do Pai que diz: «Tu és o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência».
Por uns momentos vamos deixar que ressoem dentro do nosso coração as palavras do Pai: «Tu és meu Filho muito amado no qual pus toda a minha complacência». Se, na nossa oração, nos detivermos aqui vamos ver que a complacência de Deus começa a invadir o nosso interior como dom gratuito, como olhar amoroso do Pai que penetra o nosso íntimo e nos faz descobrir a bondade de Deus presente em todas as coisas, a graça de Deus que vem até nós como bênção. Sentimo-nos com Jesus a receber a complacência do Pai, sentimo-nos na fé a receber da sua plenitude graça sobre graça.
A relação com Jesus revela amor e favor. Ele é o agente da graça de Deus. Ele é o amor e por isso diante d’Ele não temos senão que receber. Receber o Amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo.
O Amor do Pai podemos identifica-lo com aquela ternura e suavidade que surgem no íntimo da alma quando se sente envolvida pela bondade de Deus. Todo o nosso ser fica “abrigado”/“sustentado” pela Bondade paterna ao ver que «Tudo sucede para bem daqueles que amam a Deus segundo a sua vontade». A paternidade de Deus converte-se no vínculo mais forte de transformação em amor de tudo o que nos acontece. Experimentamo-nos amadas pelo Pai quando tudo em nós se manifesta como realização da Sua bondade sobre nós, o que para nós é plenitude da sua vontade. É Deus mesmo que realiza este caminho, porque a sua vontade para nós só Ele a conhece e por isso Ele vai derramando o Seu Amor sobre nós segundo a sua vontade, de forma a fazer-nos gostar/saborear essa vontade como bondade infinita e graça sobre graça.
A comunhão com o Espírito Santo como uma “paz sem fim”. A paz que brota de conhecermos que tudo pertence a Deus, que nós pertencemos a Deus, e que n’Ele somos, nos movemos e existimos. A paz que surge de nos experimentarmos da “família de Deus” e de facto nós somos da família de Deus.
O amor e a paz encontram-se em Jesus como plenitude de bênção que jorra sobre nós e para nós como graça sobre graça. A graça de Deus manifesta-se para todos, está ao alcance de todos, por meio da fé, e, é para todos caminho de comunhão com Deus.
O que quero propor é que nos aproximemos de Jesus, do Pai e do Espírito Santo e que para isto nos coloquemos sob a força do Amor que as Palavras do Pai encerram. «Tu és meu Filho muito amado em quem ponho as minhas complacências». O Pai vai derramar sobre nós as suas complacências e nós vamos deixar-nos envolver por elas.
Ainda que não tenhamos o conhecimento interior nem o gosto do amor que o Pai derrama sobre nós, temos duas certezas de fé que sustêm a nossa vida: a primeira é que estamos a “receber da plenitude de Cristo graça sobre graça” e a segunda é que na nossa vida tudo acontece para que em nós se manifeste a bondade de Deus – Tudo acontece para bem daqueles que amam a Deus, segundo a sua vontade. A vontade de Deus para nós é sermos da Sua família e vivermos da Sua vida. É a comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Oração
Depois disto fica-nos apenas o silêncio para acolher o amor do Pai. Deixemos que no nosso coração ressoem as palavras do nosso Pai Celeste: «Tu és meu Filho muito amado em quem derramo a minha graça».
Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro
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