Ter. Fev 18th, 2025
Modos de interação entre ciência e religião 

“P”… [“Pautado…”]


Pautado pela Liberdade

Miguel Oliveira Panão*

Ninguém sabe a história toda. Por todo o mundo, uma miríade de eventos interagem entre si para oferecer uma tendência evolutiva na direcção da complexidade. Pierre Teilhard de Chardin SJ via neste crescimento exponencial de complexidade, o berço da consciência, sobretudo a humana. Porém, sem que houvesse liberdade para que os sistemas evoluíssem, a Lei da Complexidade-Consciência seria impossível. Para estarmos cada vez mais conscientes das implicações que os ambientes cada vez mais complexos têm sobre o modo como vivemos, precisamos de pautar a nossa vida pela liberdade.

Uma das minhas áreas de investigação científica está ligada à Teoria Construtal que afirma — «Para um sistema que flui de tamanho finito persistir no tempo (viver), deve evoluir com tal liberdade que providencia um acesso cada vez maior e mais fácil ao que flui.» — A partir desta liberdade de morfosear surgem as arquitecturas semelhantes entre si como os ramos de uma árvore, os brônquios dos pulmões e as bacias hidrográficas quando um rio se ramifica antes de desaguar no mar. Como diz Adrian Bejan, criador desta teoria, «Dêem à natureza liberdade e a natureza volta à vida.» — E se este resultado acontece quando existe liberdade física, o mesmo poderíamos dizer em relação às nossas vidas quando deixamos que sejam pautadas pela liberdade, apesar do acrescento de complexidade adveniente da consciência daquilo que a liberdade implica e que se manifesta pela ética.

No campo da ética, a dimensão da liberdade expande-se para além do indivíduo, entrelaçando-se no tecido social que nos une através dos relacionamentos que estabelecemos uns com os outros. A verdadeira liberdade não se limita à ausência de restrições externas — fazer tudo o que acho que posso fazer —, mas floresce na medida em que amplia a liberdade dos outros. Aliás, como expressa tão bem Luís Silva nos seus “Ensaios de Liberdade” — «a verdadeira liberdade não acaba onde começa a liberdade dos outros… a verdadeira liberdade aumenta na medida em que fizer crescer a liberdade dos outros.» — Esta visão ética salienta a importância da relacionalidade sobre o isolamento, sugerindo que a nossa liberdade é tanto mais autêntica quanto mais amplia a liberdade de cada membro da família humana. Ninguém possui a liberdade, mas essa revela-se antes um dom que se vive e desabrocha quando é partilhado com os outros, mostrando a profunda interligação complexa que existe entre todos os seres, incluindo os de outras espécies. Porém, existe um nível mais profundo ainda com que a liberdade pode pautar a nossa vida.

A dimensão espiritual humana ajuda a aprofundar ainda mais o modo como podemos pautar a nossa vida pela liberdade, onde a essência daquilo que nos distingue das outras espécies transcende a racionalidade e manifesta-se precisamente na consciência de sermos livres. A vivência da liberdade que emerge da experiência ética não é meramente a capacidade de escolher entre alternativas, ou se associa às condições de possibilidade ditadas pelas circunstâncias da nossa existência. Quando acolhido o sentido espiritual na vivência ética da liberdade, fazemos a experiência de um anseio. O anseio humano por uma liberdade absoluta.

A intuição de sermos criados à imagem de Deus, cuja liberdade incondicional e absoluta permite a criação ex nihilo, ou seja, a partir do nada, justifica o gérmen do anseio que dentro de nós existe por uma liberdade que seja também absoluta. Contudo, a vida humana está condicionada pelo que nos é dado. A busca por uma vida “Pautada pela Liberdade” é, portanto, um convite a alinharmos a nossa existência com a vocação humana de co-criar como imagem de Deus que somos, descobrindo o significado sagrado inerente a toda a criação. Ao fazê-lo, participamos da faceta espiritual da liberdade que permeia o universo, reconhecendo a realidade de que cada elemento da criação pode ser livre ao seu modo.

Vivemos no interior de uma sinfonia de vidas pautadas pela liberdade de se ser quem é, e pela liberdade colectiva que nos configura como família da criação. No cerne de uma vida humana pautada pela liberdade está a consciência do potencial espiritual colectivo de uma união mais íntima com Deus. A espiritualidade não é uma fuga da realidade, mas uma imersão mais profunda nela, revelando os contornos de uma liberdade que, embora moldada pelas limitações humanas ao procurarmos compreender a “história toda” escrita pela rede complexa da vida, aspira à infinitude que tem a sua origem na Realidade-que tudo-determina.

Assim, a viagem na direção de uma vida pautada pela liberdade é uma exploração contínua das dimensões física, ética e espiritual da nossa existência, um convite para transcender as barreiras que nos confinam e co-criar um mundo onde a liberdade de todos, ampliada pela liberdade de cada um, é a pedra angular da coletividade que faz de nós uma só família da criação. Pautar a vida pela liberdade é, em última análise, um ato de fé na capacidade humana de refletir a liberdade absoluta que experimenta no relacionamento com Deus, moldando um futuro onde cada sujeito possa florescer em toda a sua plenitude, numa harmonia que espelha a liberdade infinita que nos inspira.


*Miguel Oliveira Panão é autor de “Tempo 3.0 – Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo” (Bertrand, Wook, FNAC) e para acompanhar o que escreve pode subscrever à sua Newsletter Escritos em


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