Modos de interação entre ciência e religião
“P”… [“Pautado…”]
Pautado pela Confiança
Miguel Oliveira Panão*
Quando alguém se compromete a fazer alguma coisa que precisamos, aguardamos pelo resultado, ou estamos sempre a perguntar se sempre podemos contar com o que confiámos que fizesse? Quem deixa que a sua vida seja pautada pela confiança, não precisa de dar o benefício da dúvida ou estar sempre a controlar os outros. Basta a quem vive na plena confiança esperar dos outros sempre o melhor. E mesmo quando falham, quem pauta a vida pela confiança, procura mais as razões da falha do que pede pelas justificações de terem falhado.
De dois em dois anos sou coordenador de uma boa parte da organização de uma conferência internacional. A responsabilidade é sempre elevada e um dos aspectos importantes consiste em assegurar que os membros do Conselho Consultivo da conferência fizeram as avaliações dos trabalhos submetidos. É sistematicamente um drama porque alguns esquecem-se de fazer, outros atrasam-se, uns mudaram de endereço email e não receberam o convite como esperava e alguns ainda fazem simplesmente silêncio. Não é trivial lidar com esta situação, mas é uma oportunidade para deixar que a minha vida se paute pela confiança. O resultado não é perfeito, mas acabou por não ser dramático, exigindo algum ajuste nos métodos de trabalho, mostrando-me que a pauta da confiança desperta alguma criatividade.
Nas instituições, obras, movimentos e comunidades organizadas, quem assume a direcção tem sempre uma escolha diante de si: ou confia nas equipas e pessoas a quem delegou responsabilidades; ou desconfia. Houve um período em que assisti a este tipo de controlo e aos danos relacionais que causou. Estou disposto a acolher a ideia de que os dirigentes tinham a intenção de salvaguardar a qualidade do serviço que a organização prestava, mas sem confiança nos outros, algumas iniciativas perderam a sua força e vigor e outras extinguiram-se. Essas pessoas deixaram pautar a sua vida pela desconfiança que as induziu ao controlo. Podiam ter experimentado como a confiança oferece sempre um caminho incerto, mas aberto.
Quando deixamos pautar a nossa vida pela confiança geramos cultura. Isso significa que algumas coisas faríamos de maneira diferente dos outros e os outros poderão pensar o mesmo relativamente a nós. Confiar exige que acreditemos nos outros tanto quanto acreditamos em nós próprios. E mesmo quando os outros falham, podemos sentir como se fôssemos nós a falhar e isso irá orientar-nos no relacionamento com eles. A confiança não existe porque o outro, ou nós, somos perfeitos. Confiamos porque estamos conscientes dos limites intrínsecos à nossa imperfeição. Porém, sem imperfeição, não há evolução.
A confiança desempenhou sempre um papel fundamental na evolução humana como um pilar do desenvolvimento social e experiência da potencialidade de qualquer cooperação. Ao longo da história, a capacidade de confiar nos outros permitiu a formação de comunidades, fomentando a sobrevivência e o progresso da humanidade. A confiança facilita a criação de laços sociais e a construção de redes de apoio cruciais para o bem-estar e resiliência de cada pessoa e dos grupos a que pertence. E a um nível mais amplo, a confiança revela-se a base sobre a qual se constroem relacionamentos estáveis, permitindo a cooperação em larga escala e a implementação de sistemas complexos de governo, economia e educação, impulsionando a contínua evolução cultural e tecnológica da espécie humana.
Quem não acredita na confiança perdeu a esperança de que os outros são capazes de assumir as suas responsabilidade e sente, naturalmente, a necessidade de controlar o que fazem, dizem e, por vezes, até o que pensam. Não precisa de ser assim.
Por detrás da melodia que a confiança escreve na pauta da nossa vida está um acto de discernimento que respeita o espaço e o tempo do outro porque lhe queremos bem. Mesmo o silêncio não aguarda pelo resultado para justificar, se for o caso, a desconfiança. Pelo contrário, gera dentro de nós o desejo de abraçar tanto a alegria como o sofrimento que provém do resultado porque confiamos quando verdadeiramente amamos.
A confiança é um dos valores que o mundo mais precisa neste momento. Não tem uma cor, mas deixa-se pintar por todas as cores. Não tem um sentido, mas acolhe todos os sentidos à procura daquilo que os une. Não se compra, nem se vende, mas oferece-se e acolhe-se a cada momento. Uma vida pautada pela confiança deslumbra-se com a surpresa. Se for uma supresa triste, perdoa. Se for uma surpresa alegre, acolhe. Contudo, o gesto daquele que confia, em ambas as situações é o mesmo: abraça.
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