Este texto é uma confissão.
Leio as inúmeras (e tão justas) manifestações de pesar pela morte do nosso ‘Papa’ Francisco (a palavra – ‘Papá’ – evoca o carinhoso tratamento de uma criança para com o seu querido paizinho). Sinto, em muitas delas, a expressão de apreço porque o Papa incomodou muitos ‘outros’, incomodou muitos que eram ‘esses outros que não pensam como eu penso’ e ‘foi bom que alguém os chamasse à atenção’. Muitas vozes expressam um apreço por ter sido um Papa que obrigou os outros a mudarem.
A minha gratidão, genuína e despida, tem, nesta hora, uma outra nascente. Sinto a perda do Papa como a partida de alguém que foi a mim próprio que interpelou, falou, através da sua vida e do seu modo singular de estar, para mim, para mim, para mim. Francisco soube unir o ‘e’ católico como tantas vezes desejei, mas que, tantas outras, infelizmente, não consegui retirar do âmbito teórico para o fundir e repercutir na prática. Francisco soube ser como mostra o evangelho de João na cena com a mulher adúltera: Jesus acolhe a pessoa e repudia o pecado. Este ‘e’ é a marca católica.
Como que antecipando o seu ‘todos, todos, todos’, escrevi, em agosto de 2022, que, na Igreja, todos tinham lugar, mas nem tudo podia ter lugar. Mas, confesso, nem sempre para mim foi fácil realizar este modo próprio de ser cristão sobre o qual venho escrevendo e refletindo, muito interpelado pelo pontificado de Francisco. Reconheço que este ‘e’ é a definitiva forma de ser católico, sendo que, ora caio para um lado, só vendo o acolhimento da pessoa, esquecendo o repúdio pelo pecado, ora caio para o outro, repudiando o pecado e, com ele, a própria pessoa. Francisco soube fazer isto com um génio que o torna único. À maneira do Francisco a quem foi buscar o nome… Também Francisco, o de Assis, reuniu na sua pessoa e no seu agir o modo próprio de ser um outro Cristo.
E é por isso que o meu coração sente esta partida como se de uma orfandade se tratasse. O Luís foi incomodado pela vida e pelo modo de ser de Francisco. Nesta hora, não agradeço porque incomodou os outros (cada um saberá quanto Francisco o incomodou…). Agradeço, porque Francisco me incomodou a mim.
Porque Francisco passou pelo tempo em que fui seu contemporâneo, desejo ser mais como Cristo, unindo no ‘e’ católico o modo de ser um Outro Cristo para os que estão comigo ou me leem ou me ouvem.
Ser alguém do ‘e’ muito mais do que do ‘ou’…
Francisco falou para mim…
E, por isso, ‘obrigado’.
Vela, por nós, Papa Francisco, no coração misericordioso de Deus que é Amor, Amor que me interpela a partir sempre de mim, fazendo-me dorido com as dores do outro. As dores do outro são minhas; as minhas dores não as sofro, por isso, sozinho e espero do outro que, fraternalmente, me ajude a superar os erros do meu viver, evitando tornar-me um errante.
Vi em Francisco a capacidade de tornar as pequenas banalidades do quotidiano (desde aquele primeiro ‘boa noite’!) os reais momentos em que Deus quer que estejamos inteiros, quer que eu esteja inteiro. Para o Luís, sempre tão ‘aos pedaços’, este ‘eternizar’ do efémero é uma carícia interpeladora na face… E foi destas ‘banalidades’ cheias de eterno que a vida de Francisco se foi realizando e tornando tão significativa. Quem me conhece bem sabe quanto me ruboriza o rosto reconhecer este desafio…
Francisco pede-me que seja inteiro, em cada hora, que seja inteiro do ‘e’ católico, que seja totalmente inteiro, em cada momento, da inteireza de Jesus Cristo, homem e Deus inteiros…
Obrigado, Papa Francisco.
Obrigado!