Livro «In manus tuas»
Justa e reconhecida homenagem a D. António Francisco dos Santos
No dia em que se completaram 45 anos de ordenação de padre (08-12-1972) de D. António Francisco e 11 da sua entrada solene em Aveiro (08-12-2006), a Diocese homenageou-o com o lançamento do livro “In manus tuas”. Três meses depois da sua morte (11-09-2017), as palavras e os sentimentos continuam a ser de gratidão.
P.e Francisco Melo: “Convivemos com um santo”
A possibilidade de ser iniciado o processo de canonização de D. António Francisco foi levantada na sessão em que a Diocese de Aveiro lançou o livro “In manus tuas”, que recolhe textos daquele que foi Bispo de Aveiro de 2006 a 2014. No final da intervenção de apresentação do livro, o P.e Francisco Melo, que foi o responsável pela coordenação da pastoral diocesana na maior parte do múnus de D. António Francisco em Aveiro, afirmou: “Convivemos com um santo. Rezo para que a Igreja inicie quanto antes o processo [de beatificação e canonização]”.
Na intervenção seguinte, o cónego Américo Aguiar, padre da diocese do Porto e secretário de D. António Francisco, afirmou que há uma “via para a beatificação”, aberta recentemente pelo Papa Francisco, a da “oferta da vida”. D. António Francisco, disse, “fez muitíssimo em muito pouco tempo”. “Não desistiu de pôr todos os dois milhões de diocesanos [da Diocese do Porto] no coração de Deus. Mas o coração humano não aguenta tudo. E o seu coração rompeu”, disse. “Rompeu no dia 11 de dezembro, quando todos nos lembramos das outras torres. Mas desta vez, o ataque foi à nossa torre, D. António Francisco”.
Na intervenção final, D. António Moiteiro adiantou que a questão da canonização “pertente à Diocese do Porto, onde o senhor D. António morreu e está sepultado”, havendo um prazo a respeitar [5 anos]. “Se vós avançardes – disse, dirigindo-se ao P.e Américo Aguiar -, nós fá-lo-emos com muito gosto”.
Em julho passado (ver CV de 19-07-2017), o Papa Francisco publicou uma carta (“motu proprio”) que estabelece que “a oferta da vida é um novo caso no processo de beatificação e canonização, que se diferencia do caso sobre o martírio e sobre a heroicidade das virtudes”. No artigo 2 do documento, acrescenta-se que, para que “seja válida e eficaz para a beatificação de um Servo de Deus”, a oferta de vida “deve responder aos seguintes critérios”: “a) oferta livre e voluntária da vida e aceitação heroica «propter caritatem» [por causa da caridade] de uma morte certa e a curto prazo; b) nexo entre a oferta da vida e a morte prematura; c) exercício, pelo menos em grau ordinário, das virtudes cristãs antes da oferta da vida e, depois, até à morte; d) existência da fama de santidade e de sinais, pelo menos depois da morte; e) necessidade do milagre para a beatificação, ocorrido depois da morte do Servo de Deus e por sua intercessão.
Símbolos e insígnias entregues a Aveiro
D. António Moiteiro revelou que nos dias a seguir à morte de D. António Francisco (11 de setembro de 2017), pediu à Diocese do Porto que fossem entregues a Aveiro as suas insígnias episcopais. Assim aconteceu. “Temos em nosso poder o báculo da ordenação episcopal, o chamado anel conciliar, com que andava normalmente na nossa diocese, a cruz da Missão Jubilar e os paramentos e a mitra do Ano Sacerdotal”, disse o Bispo de Aveiro.
Na sessão do dia 8 de dezembro, o P.e Américo Aguiar entregou a Aveiro mais alguns símbolos e objetos de D. António Francisco: um quadro de Santa Joana; uma caixa com um pequeno báculo que foi oferecido por escuteiros e que agora é deixado à Junta Regional de Aveiro; e a medalha de ouro que o Município de Aveiro atribui a D. António Francisco no dia 12 de maio de 2016, bem como discurso que D. António Francisco então proferiu em nome de todos os homenageados, que foram entregues a D. António Moiteiro.
D. António Moiteiro: “Memória agradecida”
“Estamos contentes por esta evocação, por aquilo que D. António Francisco foi para a nossa Diocese”, afirmou D. António Moiteiro, na última intervenção da tarde, depois de ter agradecido a diversas pessoas e entidades e em primeiro lugar ao CNE, que acolheu e coorganizou a iniciativa. Momentos antes, aos jornalistas, o Bispo de Aveiro, afirmou que D. António Francisco, “humanamente muito simples”, não quereria tal homenagem. “Nós é que temos obrigação de o tornar presente, pelo significado que tem para nós”, frisou.
Perante escuteiros e diocesanos, que encheram completamente o salão, D. António Moiteiro confidenciou que sentia que era o preferido de D. António Francisco para lhe suceder em Aveiro. “«Se te convidarem [para ires para Aveiro], não digas que não», disse-me várias vezes D. António Francisco”, revelou D. António Moiteiro, acrescentando que, perante um pedido da Igreja, a única resposta só pode ser a disponibilidade de “aceitar o plano de Deus”.
O Bispo de Aveiro disse que “olhando para D. António Francisco na sua qualidade de crente”, via especialmente a “adesão a Cristo” e o “amor apaixonado”. A publicação “In manus tuas”, sendo uma “memória agradecida”, significa uma forma de “olhar para o passado”, para, à maneira da Eucaristia, “tornar presente e continuar no futuro a construção do Reino de Deus”. E desejou que o livro e a evocação da memória de D. António Francisco “a todos ajude a olhar para o nosso tempo com esperança, alegria, paciência, com aquela docilidade que vinha do seu coração”.
P.e Américo Aguiar: “A santidade, para quem não é santo, é irritante”
O P.e Américo Aguiar, que foi secretário de D. António Francisco, teve a intervenção mais bem disposta da tarde. Disse que se “irritava muito” com o Bispo do Porto. E apontou os vários motivos de irritação: porque D. António Francisco “sabia tudo dos padres de Aveiro, os aniversários, as doenças, até o boletim de vacinas”; porque D. António Francisco tinha sempre uma palavra de “homenagem, gratidão e bênção, mesmo quando o mau, que era eu, dizia que aquilo era de mais para o padre ou civil” em questão; porque “tínhamos de estar em três sítios e acabávamos por estar em dez, sem chegar a horas a nenhum”; porque ele se “distraía com qualquer pessoa”; porque se desviava da estrada – e era cada desvio – para ir visitar a senhora devota da medalha milagrosa que estava doente…
“A santidade, para quem não é santo, é irritante”, disse, confessando ao mesmo tempo um “pecado”: “Não fui o mau suficiente para salvaguardar a sua saúde”.
90 anos de escutismo em Aveiro
José Carlos Santos, chefe regional do CNE e anfitrião da homenagem, congratulou-se com a “celebração do dom da vida” e informou que a decisão de dar o nome do anterior Bispo de Aveiro ao salão nobre dos escuteiros foi unânime na Junta Regional [órgão que dirige o escutismo na Diocese de Aveiro]. Adiantou, por outro lado, que imediatamente a seguir seria inaugurada uma exposição sobre os 90 anos do escutismo católico em Aveiro.
Na sessão, representando a Câmara Municipal de Aveiro, falou ainda Jorge Ratola, vice-presidente, “com emoção”. “Nunca esquecemos quem tanto nos tocou”, disse.
“Bispo da bondade, homem das Bem-Aventuranças, bom pastor”
“D. António Francisco sabia discernir o presente. Sabia fazer-nos sentir que tínhamos futuro”, afirmou o P.e Francisco Melo na apresentação do livro “In manus tuas”, naquela que foi a intervenção mais teológica e pastoral.
O pároco de Oliveira do Bairro e Palhaça, que nos últimos dois anos fez o doutoramento em pastoral, em Roma, depois de ter sido o braço direito de D. António Francisco na coordenação da pastoral diocesana e principalmente na Missão Jubilar, salientou que o bispo falecido “encarnava as qualidades de líder, pois lidava com as mudanças”, mas era também um “manager” e gestor, pois “lidava com a complexidade”. “Herdeiro da eclesiologia da comunhão, guiava a diocese em regime sinodal, sempre aberto à colaboração com todos”, afirmou.
Francisco Melo salientou que, à maneira dos grandes pastores, D. António Francisco “sabia fazer pontes”, com “humildade, preocupação espiritual, coerência de vida, amor cristão”.
Depois de passar salientar dois ou três traços de cada Bispo de Aveiro, realçou que D. António Francisco “fez-se herdeiro da memória histórica” e a “todos envolveu”. “Bispo da bondade”, “homem das Bem-Aventuranças”, foi “bom pastor”, “capaz de nutris as suas ovelhas com a Palavra e o amor de Deus”.
Francisco Melo referiu que a recolha de textos mostra as grandes preocupações do Bispo de Aveiro de 2006 a 2014 – com capítulos dedicados à vida consagrada, aos jovens, à ação pastoral, à Missão Jubilar, etc. -, mas não deixou de apontar algumas lacunas, nomeadamente o encerramento das visitas pastorais. Noutro momento da apresentação, D. António Moiteiro referiu que para chegar à 500 páginas do livro foi necessário deixar muitas outras páginas de fora. Afinal, o magistério de D. António Francisco, como é fácil de ver, não cabe num livro.
(Textos e foto cedidos pelo jornal diocesano Correio do Vouga)