Sáb. Mai 24th, 2025
Papa Francisco: o seu legado | Rubrica dedicada à reflexão sobre o legado do Pontificado do Papa Francisco

João César das Neves

(Professor da Universidade Católica Portuguesa)

A grandeza do Papa Francisco foi ser Vigário de Cristo, e o seu legado é a Igreja como está. Há muitas e excelentes coisas a dizer sobre o Pontificado que agora terminou, mas estas duas, as mais importantes, raramente são referidas. Porque se olha para o dedo e não para onde ele aponta: a peregrinação de esperança do Povo de Deus.

O Papa Francisco foi um grande papa, um papa santo, como aliás os seus antecessores próximos. O Senhor, em tempos tão conturbados e perigosos, tem dado uma sequência de grandes pastores, que guiam a Barca de Pedro nas terríveis tormentas. Acabámos de viver 12 anos extraordinários, que continuam o espantoso processo iniciado pelo Concílio. Assim, o primeiro traço do legado de Francisco é a continuidade. Como ele próprio repetiu sucessivamente, o rumo que a Igreja seguiu nesses anos vinha traçado de trás. Ou de cima.

Este ponto precisa de ser reafirmado, por contrastar abertamente com a maioria dos comentadores. Desde os que se alegram pelas novidades radicais alegadamente introduzidas aos que que acusam o Papa de desvios, e até heresia, muitos repetem o mote de Francisco mudar a Igreja. Nada podia estar mais longe da verdade. Ele sempre seguiu a Igreja como sua “Mãe sempre solícita” (14), como disse no documento programático de 2013, Evangellii Gaudium. É verdade que aí o Papa também falou de “Uma renovação eclesial inadiável”; mas explicou logo, citando o antecessor João Paulo II: «toda a renovação na Igreja há de ter como alvo a missão, para não cair vítima duma espécie de introversão eclesial» (27). É isto a continuidade, na renovação evangélica permanente.

O segundo traço do legado é o estilo único da personalidade de Jorge Bergoglio. O caráter ardente, colorido, fascinante ressalta em todos os gestos, palavras, textos. Ao contrário dos seus antecessores, não perdia tempo com detalhes, elaborações, equilíbrios, cortando sempre direito ao essencial. Gostava de neologismos, gestos proféticos, frases incendiárias. Nisso assemelhava-se ao seu Mestre: Francisco falava com a simplicidade, profundidade e contundência do Evangelho. Também esse traço levou a mal-entendidos, com interpretações oportunistas, redutoras e ideológicas das suas palavras; tal como aconteceu com Jesus. Como no discurso do “Pão da Vida”, a culpa não é do orador, mas do pecado dos ouvintes.

Um exemplo ajuda a entender. Elemento omnipresente nas descrições do legado é, sem dúvida, a sinodalidade. Tema arrebatador do último Sínodo, é processo em curso. Mas que quer isso dizer? Muitos acham evidente, mas poucos ouviram o que o Papa afirmou: “Gosto de dizer que o Sínodo não é um parlamento; é diferente! O Sínodo não é uma reunião de amigos para resolver algumas questões atuais ou dar opiniões; é diverso! Não esqueçamos, irmãos e irmãs, que o protagonista do Sínodo não somos nós: é o Espírito Santo.” (saudação na abertura da XVI Assembleia do Sínodo, 4 de outubro de 2023). Deste modo, a sinodalidade afasta-se muito das descrições mediáticas e liga-se ao esforço bimilenário desde o Pentecostes.

Com estes dois traços, o legado do Papa Francisco está apenas a começar. No dia 21 foi chamado para a Casa do Pai, terminando a magna tarefa. Compete-nos a nós agora recolher as peças dessa obra e compor o legado. Para começar, temos de agradecer a Deus o Pontificado e rezar por alma do Papa. Mas, mais importante, devemos fazer aquilo que Francisco quereria que fizéssemos: rezar pelo seu sucessor e pelo próximo Pontificado. Afinal, será ele, guiado pelo Espírito Santo, a definir e clarificar o legado de Francisco.


Papa Francisco [2013-2025] | Foto recolhida de https://www.vatican.va/