Sáb. Mai 24th, 2025

 

Luís Manuel Pereira da Silva*

Fomos colegas de seminário. Eu, um miúdo cinco anos mais novo, olhava para ele, um pouco mais velho, com enorme admiração. Uma dupla admiração: pela inteligência com que abordava todos os assuntos que discutíamos, mas também pela enorme e contagiante serenidade com que enfrentava as tempestades da vida.

Assim foi, também nestes tempos que marcaram o final da sua vida.

Após longos anos de distâncias, voltámos, em fevereiro deste ano de 2023, a reencontrar-nos e planear ‘coisas’ em conjunto. O pretexto foi a passagem dos símbolos das JMJ pelo arciprestado de Albergaria-a-Velha, onde ele estava a paroquiar (Alquerubim e S. João de Loure) e eu a lecionar (no Agrupamento de Escolas de Albergaria-a-Velha), o que veio a verificar-se no dia 9 de março.

Organizámos o evento em que se envolveram a comunidade escolar e paroquial, com o apoio da junta de freguesia e da sociedade civil que, através da voz dos utentes da Associação Social para Idosos com Vida da Freguesia de S. João de Loure e Frossos e da música e poesia partilhadas por alunos da escola básica de S. João de Loure, concretizaram um tempo de encontro fecundo e reconciliador.

Reencontrei, na preparação deste acontecimento o Pe. Zé que eu conhecera, décadas antes: sempre inteligente, sábio e tranquilo. Perspetivou-se que pudesse ser cancelado por motivo de mau tempo.

Não se agitou, nem inquietou. Tudo se haveria de resolver. E assim foi…

Soube, muito pouco tempo depois, que, em exames médicos, ele descobrira padecer de um mal que, infelizmente, já lhe levara o pai e tem acometido alguns de entre os seus.

Acompanhei, pela oração (todos os dias rezámos por ele, em família, desde que soubemos) e por telefonema, o seu caminho duro, mas em que o ouvi e senti sempre tranquilo. Numa das vezes em que lhe liguei, confirmou-me a serenidade com que estava a enfrentar a doença.

– ‘Luís, há, no tratamento uma parte que depende de mim. Estou a fazê-la. Outra parte que depende dos médicos. Estou certo de que estão a fazê-la. E há uma parte que não depende, nem de mim, nem dos médicos. É o lugar da confiança. Confio-me…’

Fui recordando estas palavras dele e participei da sua confiança. Acreditava que ele sairia vencedor, nesta luta física, mas, ainda que ele a tenha perdido, tenho a confiança profunda de que o bem que realizou, ao longo da sua vida, o fez vencedor na batalha definitiva em que ele e eu acreditámos, sempre: a de que Deus que é Amor vence a morte que teima em não querer que nela confiemos e nos surpreende quando tantos motivos há para a adiar. Mas não é, de facto, na morte que confiamos, mas na vida, no Deus da Vida.

Pe. Zé, Deus faça fecundas as muitas sementes que deixaste de bem, serenidade e esperança, nos corações dos muitos que serviste, discreto, mas sempre inteligente.


*Professor, Presidente da Comissão Diocesana da Cultura
Autor de ‘Bem-nascido… Mal-nascido… Do ‘filho perfeito” ao filho humano’, ‘Ensaios de liberdade’ e de ‘Teologia, ciência e verdade: fundamentos para a definição do estatuto epistemológico da Teologia, segundo Wolfhart Pannenberg’