Papa Francisco: o seu legado | Rubrica dedicada à reflexão sobre o legado do Pontificado do Papa Francisco
Eduardo Marçal Grilo
(Admirador do Papa Francisco)

Morreu uma das vozes mais sábias, mais respeitadas e com maior impacto do nosso tempo.
O Papa Francisco que liderava a Igreja Católica e que governava o Estado do Vaticano e o Bispado de Roma partiu para sempre na passada segunda feira de Páscoa, dia 21 de Abril.
Eleito pelo Colégio Cardinalício em 13 de Março de 2013, dirigiu-se nesse dia ao mundo dizendo: «Me hanno scelto dalla fine del mondo», o que significa foram buscar-me ao fim do mundo para iniciar um pontificado cuja obra é já uma marca indelével, não apenas na história da Igreja Católica, mas igualmente na história do século XXI.
Uma obra que nos deixa um legado de ideias, de preocupações, de afetos e de esperança, de que todos temos que cuidar.
E digo todos porque foi ele próprio que lançou e insistiu na ideia de que a Igreja não pode excluir, nem discriminar ninguém, o que foi sintetizado na sua célebre frase – Todos, Todos, Todos – pronunciada em Lisboa durante a Jornada Mundial da Juventude no Verão de 2023.
A palavra, as mensagens e os escritos do Papa Francisco foram, de facto, ao encontro de muitos mais do que vinha sendo habitual com as intervenções do Chefe da Igreja Católica.
Direi mesmo que a sua palavra e as suas encíclicas tiveram maior impacto e aceitação junto dos não católicos do que dentro da própria Igreja, onde as posições assumidas pelo Papa foram, não poucas vezes, contestadas e contrariadas aos diferentes níveis da Hierarquia.
O legado que deixa à Igreja é vasto e rico. Ao longo do seu mandato de cerca de doze anos, abordou praticamente todos os grandes problemas do nosso tempo: os conflitos que grassam pelo mundo, as migrações, as injustiças, o casamento homossexual, a discriminação das minorias, o combate à pobreza, a luta contra as desigualdades, a corrupção (incluindo a que combateu mesmo dentro do Estado do Vaticano), a perversão dos interesses financeiros, nada o Papa Francisco deixou fora das suas preocupações.
Num escrito como este não é possível elencar todos os temas que mereceram a sua intervenção, mas é impossível não recordar dois factos que foram para mim particularmente marcantes. A sua primeira viagem fora do Vaticano realizada à Ilha de Lampedusa logo em 2013 e a publicação da Encíclica “Fratelli tutti” em 2020.
A visita que fez a Lampedusa marcou o inicio da sua luta pela defesa de políticas de migração assentes em quatro objetivos: acolher, proteger, promover e integrar. E foi a partir dessa visita histórica que o Papa desenvolveu uma campanha em prol dos migrantes, fossem estes do México, de Moçambique, do Iraque , do Bangladesh, da Grécia ou da Polónia. Este é seguramente um dos grandes problemas do nosso tempo e o «Mare Nostrum» e a fronteira entre o México e os Estados Unidos são hoje duas das mais sensíveis regiões do mundo, sendo que o Mediterrâneo, que o Papa classificou como o maior cemitério dos nossos dias, já sepultou dezenas de milhares de imigrantes que demandavam o Continente Europeu em busca de melhores condições de vida ou em fuga de países onde se tornou impossível viver.
A Encíclica “Fratelli tutti” constitui um dos documentos mais marcantes elaborados pelo Papa Francisco. É um livro em que ao longo de oito capítulos, se estabelecem duas novas orações, a «Oração ao Criador» e a «Oração cristã ecuménica» e na qual se reforça a recusa do «dogma neoliberal». Uma Encíclica na qual o pontífice “indica a fraternidade e a amizade social” como base para a construção de “um mundo melhor, pacífico e com mais justiça”, e em que sob a inspiração de São Francisco de Assis, explica “o essencial duma fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas, independentemente da sua proximidade física, do ponto da terra onde cada um nasceu ou habita”.
Com o seu desaparecimento o mundo ficou mais pobre.
O Papa Francisco, que numa das suas últimas reflexões disse: “Para Jesus, o Bom Pastor que se dá pelas suas ovelhas e que as procura sempre, cada uma vale «o preço infinito da Sua vida», não mais fará ouvir a sua voz.
Cabe agora aos cardeais que se vão reunir na Capela Sistina, encontrar o novo Papa.
Desejo sinceramente que uma inspiração divina ilumine os 135 cardeais que ali se vão reunir e que o sucessor de Francisco tenha a formação, a vontade política e as condições materiais para continuar a sua obra. É a melhor homenagem que se lhe pode prestar.
Lisboa, 25 de Abril de 2025