Aveirenses notáveis
Agostinho Fontes Pereira de Melo – Fadista e juiz do Supremo Tribunal de Justiça
Cardoso Ferreira (textos)
Parceria com o Correio do Vouga
Natural de Aveiro, Agostinho Fontes Pereira de Melo, na sua fase de estudante na Universidade de Coimbra, distinguiu-se como fadista e cantor, após o que fixou residência em Lisboa, tendo alcançado o cargo de juiz do Supremo Tribunal de Justiça.

Agostinho Fontes Pereira de Melo nasceu em Aveiro (Vera Cruz), no dia 30 de dezembro de 1890, e faleceu na cidade de Lisboa (Campo Grande), no dia 15 de junho de 1991. Era filho de Joaquim Fontes Pereira de Melo (Aveiro, 1867) que, aos 18 anos de idade, tirou passaporte para viajar para o Zaire, e neto de Manuel Fontes Pereira de Melo, um aveirense que em 1866 terá desempenhado a profissão de barbeiro.
No ano letivo 1900/1901, Agostinho Fontes Pereira de Melo terá começado a frequentar o Liceu Nacional de Aveiro, tendo por encarregado de educação a direção do Colégio Aveirense. Concluiu a quinta classe no ano letivo de 1906/1907.
Há documentos que assinalam a passagem de Agostinho Fontes Pereira de Melo pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tendo sido aprovado nos diversos exames que realizou entre 1912 e 1914. Neste último ano, no dia 30 de outubro, fez o exame de lhe deu o título de bacharel, tendo sido aprovado com 12 valores. No ano seguinte licenciou-se em Direito.
Após se formar em Direito, Agostinho Fontes Pereira de Melo (ou, simplesmente Agostinho Fontes) deu início a uma carreira profissional na magistratura, que culminou com a sua entrada para o Supremo Tribunal de Justiça, e a fixação da sua residência em Lisboa. Como membro deste tribunal, deixou o seu nome ligado a alguns processos relevantes, tendo sido juiz relator de alguns, como um datado de 23 de julho de 1957, e outro com data de 24 de maio de 1960. Neste mesmo ano, reformou-se como juiz conselheiro.

No ano de 1948, o nome de Agostinho Fontes Pereira de Melo surge ainda como sócio efetivo do Instituto de Coimbra.
Intérprete do fado de Coimbra
Agostinho Fontes Pereira de Melo (Agostinho Fontes) foi um exímio intérprete do fado de Coimbra, tendo sido o primeiro cantor preferido do guitarrista Artur Paredes (pai do célebre Carlos Paredes), que depois iria dividir as suas preferências também com o cantor Edmundo Bettencourt.
Ainda no período de estudante, Agostinho Fontes integrou o Orfeon Académico António Joyce, tendo ficado famosa uma sua interpretação, em versão cómico-gaga, da canção “Margarida vai à fonte”.
Apesar de estar já na magistratura, Agostinho Fontes, em julho de 1924, integrou uma nova deslocação do Orfeon Académico António Joyce a França, tendo atuado em cidades como Paris, Toulouse, Bordéus e Bayona. António Menano e Agostinho Fontes cantam fados, acompanhados à guitarra por Manuel Paredes, outro grande guitarrista da época, tio de Artur Paredes. Já em 1911, Agostinho Fontes tinha integrado a primeira digressão daquele orfeão por terras francesas.
No ano seguinte, integrou a digressão que a Tuna Académica da Universidade de Coimbra (TAUC) efetuou, em agosto de 1925, por terras do Brasil. Para além do intérprete aveirense, então considerado como “antigo estudante e aplaudidíssmo serenateiro”, a comitiva incluiu os cantores José Paradela de Oliveira, Lucas Rodrigues Junot e Mário Delgado; os guitarristas Artur Paredes (na altura já famoso e, por isso, foi como “artista convidado”) e Paulo de Sá, os violistas José Monteiro da Rocha Peixoto e Guilherme Mendes Barbosa. O regente era Manuel da Câmara Leite (docente de Música no Liceu de Coimbra).
Agostinho Fontes interpretou reportório da autoria de Paulo de Sá (de Santa Maria da Feira), de quem foi amigo e condiscípulo na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Quando Paulo Sá organizou saraus de angariação de fundos para a reconstrução do castelo da então Vila da Feira, contou com a presença de Agostinho Fontes, e de outros intérpretes, como Alexandre de Rezende, Elísio de Matos, António Menano e Paradela de Oliveira, os quais participaram ainda em inúmeros eventos, organizados e apoiados pelo Dr. Paulo de Sá.
Agostinho Fontes, apesar de ter sido um cantor de excelência, nunca quis gravar qualquer disco exclusivamente seu.
Para além de intérprete e tenor, Agostinho Fontes foi também autor de letras de canções, algumas delas musicadas por Paulo de Sá, como “Fado de Santa Cruz” e “Fado da Saudade”. Apesar de terem sido editadas no Brasil, no ano de 1925, não existem gravações conhecidas. Em homenagem a Agostinho Fontes, Paulo de Sá produziu o “Fado de Aveiro”.
O “tenor extenso” Agostinho Fontes Pereira de Melo foi o primeiro grande divulgador do tema “Senhora da Graça” ou “Fado de Coimbra”, com música de Paulo de Sá, que depois também foi interpretado por Armado do Carmo Goes e por António Menano.
Por essa altura, e no que se refere às vozes, “de que era divo” Agostinho Fontes Pereira de Melo, estava na moda o “estilo Manassés”, rotulado de “cantar à antiga”.
Em julho de 1964, no jornal “A Voz”, dirigindo-se a António Menano, António Morna escreveu “há mais de meio século éramos três os cantores do Fado de Coimbra: tu, o Agostinho Fontes Pereira de Melo e eu. Guitarristas: o teu irmão Chico Menano, verdadeiro catedrático da arte de bem tocar, o Paulo de Sá, o Girão e José Serra, que era o meu acompanhador habitual.”
No livro “O Canto e a Guitarra na Década de Oiro da Academia de Coimbra (1920-1930)”, editado pela Comissão Municipal de Turismo de Coimbra, Afonso de Sousa escreve “quando, como escolar, me incorporei na Academia de Coimbra, já dela, ou do seu ambiente artístico, se haviam afastado ou se avizinhavam da deserção credenciados cultivadores do canto e da guitarra, de cujas modalidades os da minha geração foram não menos reverenciados continuadores. Enquadravam-se naquele afastamento os nomes de Manassés de Lacerda, António Menano, seus irmãos Francisco, Alberto e Paulo, Roseiro Boavida, Agostinho Fontes, Paulo de Sá, Borges de Sousa, plêiade de que ainda restavam, cursando estudos um Aires de Abreu, um Aduzindo da Providência, um Lucas Junot …”.