Aveirenses no Episcopado
Rubrica dedicada à divulgação da história de bispos nascidos no território da diocese de Aveiro, nas suas duas fases: entre 1774 e 1882 – 1.ª fase | depois de 1938 – 2.ª fase
Textos da autoria de Monsenhor João Gonçalves Gaspar, recolhidos do livro Diocese de Aveiro: subsídios para a sua história, Aveiro: Edição da Diocese de Aveiro, 2014.
Textos publicados nos dias 24 e 11 de cada mês | A diocese de Aveiro foi restaurada em 1938, com bula do Papa Pio XI, datada de 24 de agosto desse ano, e executada em 11 de dezembro.
João Gonçalves Gaspar (Monsenhor)*
D. frei Lourenço de Santa Maria e Melo
Religioso franciscano, arcebispo de Goa e depois arcebispo-bispo do Algarve, D. frei Lourenço de Santa Maria e Melo nasceu na freguesia de S. Pedro de Avelãs de Cima, do concelho de Anadia, em janeiro de 1704. Foi-lhe oferecida a mitra de Aveiro e dele se fez referência quando se aludiu à criação da diocese de Aveiro [Descrevemos, abaixo, essa referência.]
“Encontrava-se por esse tempo à frente dos destinos religiosos da diocese do Algarve, residindo em Faro, um homem de Deus e benemérito da pátria, D. frei Lourenço de Santa Maria e Melo, que nascera na freguesia de S. Pedro de Avelãs de Cima, hoje do concelho da Anadia, onde foi batizado em 24 de janeiro de 1704 (ADistA, Avelãs de Cima. Livro de Batismos), sendo filho de António Luís de Melo, fidalgo da Casa Real, senhor do morgado do Ramirão e da quinta da Graciosa, e de sua mulher D. Micaela de Sampaio Pereira. Frequentara a Universidade de Coimbra, na qual obteve o grau de mestre em artes e regeu a cadeira de decretos. A ida a essa cidade de uns missionários franciscanos do convento do Varatojo fê-lo inclinar-se para a vida religiosa, tomando o hábito neste cenóbio; posteriormente, desempenhou com relevância o ministério da pregação. A nomeação para arcebispo de Goa, em 02 de agosto de 1742, surpreendeu-o na ilha da Madeira. Confirmado pelo papa Bento XIV em 26 de novembro, foi ordenado em 09 de junho de 1743 e recebeu o pálio metropolitano em 26 de outubro. Entrou solenemente na sua sé em 04 de outubro de 1744 e logo iniciou com zelo a sua missão pastoral e executou sábias reformas. Quebrantado de saúde, passados seis anos renunciou à arquidiocese e voltou ao continente, chegando a Lisboa em princípios de 1752. Como estivesse vago o bispado do Algarve, foi logo nomeado para Faro por D. José I e confirmado pelo referido sumo-pontífice Bento XIV em 15 de março do mesmo ano. A sua ação fez-se sentir, quer tomando enérgicas providências por altura do terramoto de 1755, no auxílio às vítimas, quer beneficiando as caldas de Monchique, quer dando nova forma ao paço episcopal e desobstruindo o largo da sé, quer estendendo a caridade até onde visse ou pressentisse necessidades materiais ou morais.
Informou João Batista da Silva Lopes (Memorias para a Historia Ecclesiastica do Bispado do Algarve, Lisboa, 1848, pgs. 425-451) que, nos fins de maio de 1773, D. frei Lourenço recebeu uma carta assinada por el-rei, com ordem de se apresentar na Corte «para negócios do serviço de Deus e do Estado.» Como estivesse um pouco doente, o arcebispo-bispo do Algarve só pôde partir em 10 de junho, chegando a Lisboa em 18. Passados dois dias, procurou o marquês de Pombal que, recebendo-o muito bem, lhe declarou que o monarca desejava dividir o Algarve em dois bispados – um com a sede em Faro e outro em Portimão; por tal motivo, Carvalho e Melo pediu-lhe que desistisse da sua sé, pois era intenção do Governo que ele fosse nomeado bispo de Aveiro, cuja diocese iria ser brevemente criada. A proposta seria com certeza agradável a D. frei Lourenço, pois ficaria a residir perto da sua terra natal e dos seus familiares.
O arcebispo-bispo do Algarve não se sujeitou, porém, aos caprichos do marquês, valendo-lhe essa atitude o ser tratado por imbecil em documento público; respondeu que prontamente se demitia, mas que não podia nem devia aceitar o novo encargo, por já não ter forças nem coragem. O ministro não aceitou a escusa, e D. frei Lourenço de Santa Maria, após várias vicissitudes e arbitrariedades do seu vigário-geral – talvez insinuado por Pombal – pediu a renúncia do Algarve em 24 de setembro de 1773, que D. José deferiu; a Sé Apostólica, vendo as coisas de mais alto, nunca confirmou nem a demissão do prelado, nem a divisão do Algarve, nem a nomeação dos dois bispos eleitos para Faro e para Portimão. Apesar disso, o arcebispo partiu para o convento do Varatojo; mas, após dez dias, recebeu ordem régia de se recolher ao paço da quinta da Graciosa, para viver na companhia dos parentes; não se demorou aí um ano porque, instando junto do rei, este lhe concedeu que voltasse ao convento, onde ficou até à morte do monarca. Retomaria, em maio de 1777, o governo da diocese algarvia, acabando por falecer em 05 de dezembro de 1783; os seus restos mortais jazem no jazigo da catedral de Faro.
Perante a recusa de D. frei Lourenço, teve o marquês de Pombal de diligenciar no sentido da escolha de outro clérigo, que pudesse ser nomeado e apresentado pelo rei à confirmação papal para bispo de Aveiro. As referências caíram no padre dr. António Freire Gameiro de Sousa, de quarenta e seis anos de idade. Na mesma carta régia em que requereu a criação da diocese de Aveiro, datada de 28 de setembro de 1773, já D. José I apresentara a Clemente XIV o nome do proposto (ASV, processo consistorial cit., 41v-48): – «E, na confiança daquela graça de Vossa Santidade, nomeio e apresento para primeiro prelado da dita nova diocese de Aveiro a António Freire Gameiro, doutor da Faculdade de Leis, deão da santa igreja catedral de Lamego e atual lente da Universidade de Coimbra, fazendo esperar das virtudes, letras e mais qualidades, que nele concorrem, que acudirá às obrigações daquele bispado, como convém ao serviço de Deus e ao bem espiritual das almas dele, para que Vossa Santidade lhe mande passar as suas ‘letras apostólicas’, nas quais se faça a expressa menção desta minha nomeação e apresentação e se declare o direito de padroado que na mesma igreja me compete, na forma que da minha parte mais particularmente exporá a Vossa Santidade o meu ministro plenipotenciário nessa Corte.»
As testemunhas ouvidas em 17 de janeiro de 1774 para o processo de confirmação – dr. José de Arriaga Brum da Silveira, dr. Estanislau da Cunha Coelho e padre dr. Bernardo de Nossa Senhora da Porta – disseram que era filho legítimo de pais católicos e notáveis em religião e piedade, frequentador assíduo dos sacramentos que recebia com exímia devoção, exemplar na fé de que jamais se afastara, íntegro em costumes, dotado de honestidade de vida, insigne em seriedade, prudência e experiência que manifestava de muitas maneiras, perito em direito e erudito em todos os conhecimentos eclesiásticos, de tal sorte que «não se pode duvidar que o promovendo não tenha a ciência e a doutrina que se requerem no bispo para ensinar os outros.» Os deponentes, interrogados pelo cardeal Inocêncio Conti, continuaram as suas declarações: – O dr. António Freire Gameiro de Sousa não tinha qualquer defeito físico ou psíquico nem qualquer impedimento canónico; apenas subdiácono, nunca exercera a cura de almas nem o regime de qualquer igreja, mas consideravam-no idóneo e sumamente hábil para o ofício proposto pela sua «sagacidade, vigilância, paciência, caridade e outras virtudes» (ASV, id., fls. 42v-44v). O que as testemunhas não declararam foi que o indigitado havia jurado, como lente de Coimbra, a interpretação sectária do marquês de Pombal sobre a palavra ‘constitutiones’ da profissão de fé do papa Pio IV, segundo o espírito deturpado das ‘liberdades da Igreja Lusitana’.
O bispo indigitado e apresentado à confirmação nasceu em Lisboa no dia 06 de fevereiro de 1727 e foi batizado na igreja das Mercês em 22 seguinte, sendo filho de Domingos Freire Gameiro e de sua esposa D. Teresa Isabel. Doutorado em direito pela Universidade de Coimbra, em 26 de julho de 1746 recebeu as respetivas insígnias; em 1762, foi nomeado lente da segunda cadeira sintética de direito; em 1769, era deão da sé de Lamego; em 13 de dezembro de 1772, recebeu as quatro ordens menores e o subdiaconado.”