70 ANOS DUDH | REFLEXÕES
A importância de uma nova visão sobre o Direito Humano à Alimentação
ACTUAR*
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) consagra a alimentação como parte fundamental do direito a um padrão de vida adequado (art.º 25). Enquanto direito económico, social e cultural, o Direito Humano à Alimentação (DHA) é condição essencial para o exercício da cidadania e democracia, importância verificada em 69 dos 179 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relacionados com a alimentação.
Ao celebrar os 70 anos da DUDH, é de reconhecer que muito continua por fazer para que o mundo esteja livre da fome e da malnutrição, tanto nos países do Sul como do Norte Global.
Portugal assinou já os principais acordos internacionais sobre o DHA, mas carece ainda de um trabalho estrutural. Desde logo, uma mudança cultural nos espaços de governança, técnicos e científicos, influentes sobre as políticas públicas de alimentação para uma perspectiva ampla de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) (food security) por oposição à visão restrita da segurança dos alimentos (food safety).
O tema da alimentação vai já circulando pela agenda política do país, mas o atual quadro institucional e de políticas públicas em vigor estão ainda marcadas por uma abordagem orientada para o aumento da produção, a segurança no uso dos alimentos e a ampliação do mercado comunitário.
Este quadro, fragmentado e desactualizado, é insuficiente para enfrentar os desafios multidimensionais que se colocam hoje à soberania e SAN do país. São exemplos: o aumento de doenças relacionadas com a alimentação inadequada que ameaçam a sustentabilidade do sistema nacional de saúde pública (cerca de 6 milhões de portugueses obesos ou pré-obesos e com doenças crónicas, p.e., diabetes, doenças cardiovasculares e alguns tipos de cancro); e a devastação dramática dos incêndios florestais, sintoma da desertificação humana do interior, associada à perda de práticas tradicionais de agricultoras e agricultores e outros atores essenciais à manutenção da agrobiodiversidade dos territórios.
De reconhecer são também as conquistas já alcançadas, como o recente Estatuto da Agricultura Familiar, a criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, os programas de alimentação escolar e outras iniciativas que, embora, atomizadas, têm vindo a contribuir para sensibilizar a população e os atores sociais e políticos.
Importa assim garantir que a construção de políticas públicas de alimentação sejam assentes em princípios de intersetorialidade, de participação social inclusiva e indivisibilidade dos Direitos Humanos, trabalho para o qual a ACTUAR tem contribuído, quer enquanto membro do Mecanismo da Sociedade Civil do Comité Mundial para a Alimentação das Nações Unidas, quer participando e realizando o secretariado de espaços nacionais (ReAlimentar) e regionais (Mecanismo da sociedade civil no Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), quer internacionais.
*Associação para a Cooperação e o Desenvolvimento
(Artigo que se insere no âmbito das comemorações do 70º Aniversário da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos – Plataforma “Aveiro Direitos Humanos” / Diário de Aveiro)