Sáb. Out 12th, 2024
As leis da cidade | Espaço dedicado a textos sobre legislação

Tiago Azevedo Ramalho

 

[Primeiro texto: aqui.]

-12. O tempo que se abre (cont.). Conclusão. Não hão-de as Novas vindas de França abalar a convicta determinação de muitos em não se deixarem recostar ao horizonte de sentido que nelas vai implicado. Horizonte, de todo o modo, a conhecer e a estudar, não como quem procura a pauta de comportamento a que doravante será de bom-tom conformar-se, mas como quem perscruta os sinais dos tempos, tacteando o melhor modo de agir nas concretas e precisas circunstâncias para que foi arrojado. Um primeiro discernimento poderá passar por reconhecer que pontos de honra de uma antropologia não divergente das exigências fundamentais da ética cristã perderam agora valor referencial; chegam, até, a não ser admitidos como estruturantes de uma qualquer posição que se apresente somente para valer no confronto das demais que disputam a arena pública; são considerados, enfim, como típicos de um discurso periférico, desqualificado como sectário ou próprio de comportamentos fanatizados.

Salvo um inesperado volte-face, é muito improvável que, nos tempos que se acercam, possa haver no ocidente europeu forças políticas com robustez bastante para inflectir as tendências agora dominantes. Os programas partidários destinam-se à conquista de poder mediante a atracção do eleitorado. Quem, então, continuará a inscrever na sua agenda política a restrição ao regime do aborto provocado, sabendo que, mesmo na melhor das hipóteses de, com essa inscrição, captar uma pequena porção de eleitorado, se tratar de matéria em que uma larga maioria não transigirá, e que, portanto, mesmo em contexto de coligação nunca poderá integrar um plano de governação?

As possibilidades de se modificar em sentido restritivo o regime jurídico de protecção da vida humana por nascer são realmente reduzidas. Também porque o problema do aborto provocado – e da valoração que lhe subjaz a respeito da vida humana intra-uterina – está conexionado com outras duas sensíveis matérias: à questão tradicional do controlo demográfico acresceu, mais recentemente, o interesse na instrumentalização de embriões humanos.

Sem prejuízo, o legítimo desalento com este estado de coisas em nada implica um render da guarda daqueles que nesta evolução não se revêem. Há, aliás, até um aspecto positivo em toda esta retracção: não mais permitir que a posição declarada nestas matérias de índole biopolítica seja por alguns usada como uma espécie de salvo-conduto para, noutros campos do espaço político, se sustentarem posições contrárias ao devido respeito a cada pessoa, não só à por nascer, mas também à já nascida.

Limitada a possibilidade de participação no sistema político institucionalizado, o que sobra então? Sobra ainda muito, sobra talvez o mais importante: o espaço para a dissonância individual e para o agrupamento institucional. Com elas vem a possibilidade de se subtrair à socialização pela comunidade política, justamente na medida em que, contra toda a expectativa, se cultive um sentir e um agir outros. Estamos já então num novo tempo que se abre.

– Fim –


Imagem de Mystic Art Design por Pixabay