Sex. Abr 19th, 2024

SER IDOSO EM LAR COMUNITÁRIO | 6

Pe. Georgino Rocha

Ria e seus encantos

A Gil nosso protagonista, anda-lhe nas entranhas a maresia que “bebeu” durante tantos anos. Por isso, sempre que o tempo está aberto ou é verão, os familiares vão com ele no carro ou na lancha, revisitar paisagens marinhoas, viveiros de peixe, marinas de barcos de recreio e tantas outras novidades que foram surgindo ultimamente. “Que é aquilo?! – pergunta aqui; “olha, além, que é que está? – quer saber; “que linda embarcação ali no cais” – exclama, como criança que vê tudo pela primeira vez. Ele não vê, mas revê e, na revisita, é a vida de homem da ria, a história dos camaradas, as peripécias dos passageiros, os dias de tormenta ou de bonança, é tudo isto e muito mais que lhe enfeita o coração e molda a consciência que “vem à tona” e o faz vibrar emocionalmente. “Estes passeios curam mais do que qualquer remédio, sobretudo em certas ocasiões!” – reconhece agradecido a quem o acompanha. “Nem fóruns nem cinemas, cidades ou campos, provocam igual efeito. O coração regista melhor estas coisas do que a fotografia ou o filme” – adianta com notável acerto.

Paixão pelas festas do lar

É um apaixonado pelas festas do lar, sobretudo quando estão relacionadas com o 1º acolhimento aos novos residentes, com o dia de anos e com os santos populares ou padroeiros. Está sempre pronto para ajudar os animadores a preparar os folguedos e participar nas exposições. Admira os cantadores ao desafio ( no estilo de Marques Sardinha e Maria Barbuda, na romaria de S. Paio da Torreira, de que se lembra com grande saudade) e acompanha com a harmónica ou com a sanfona as modas ritmadas pelo dançar dos mais lestos. Aprecia as tricanas, quando vestem a rigor e se meneiam a jeito de mostrar a roupa interior. Declama facilmente poemas de António Aleixo ou quadras populares cheias de sabedoria, ainda que em tom sarcástico. A ilustrar este seu jeito repete com frequência:

“Dizem que pareço ladrão, mas há muitos que eu conheço// que não parecendo o que são, são aquilo que eu pareço”.

“O remador, rema ligeiro, pró teu barquinho ser o primeiro// e se tu fores o vencedor, Eu te darei o meu amor”.

“Apego-me convosco, donde vou, deste mar alto cheio de aflições! Com tanta fé nunca ninguém rezou! Ergo os meus braços, grito as orações”[1]

[1] Afonso Lopes Vieira, À Senhora do mar ou das ondas, em Cem das melhores poesias religiosas da língua portuguesa, Ed. Guimarães, Lisboa: 1932, p. 127-130.