Sáb. Mai 24th, 2025

Questões de educação


António Franco

“Prova de aferição pede a crianças para imitarem minhoca e sapo cego”, in Correio da Manhã.
1. Começaram as Provas de Aferição. Aos alunos do 2.º ano, foi pedido que imitassem o movimento e o som de uma minhoca ou o som e o movimento de um sapo cego (entre outros animais). Analisei os critérios de correção (são públicos) que estipulam que o aluno atinge a cotação máxima quando: “Utiliza a voz para criar o som do animal de forma audível, ligando-a ao movimento”. Como será o som da minhoca é algo em que cogito. Eu, que fui/sou pescador desportivo, não tenho memória de alguma vez ter ouvido um “ai” sequer, a uma minhoca quando a colocava no anzol, mas, quem sabe, às tantas o vendedor enganava-me, vendendo-me minhocas mudas. E, já agora, que nome se dá ao som emitido pelas minhocas? Já quanto aos sapos, deduzo que, pelo facto de serem cegos, coaxem de forma diferente. Provavelmente, será por ninguém saber o som que emite uma minhoca ou em que é diferente o coaxar de um sapo cego que tudo pode ser considerado certo e, assim, se poder concluir que os alunos já recuperaram conhecimentos e competências. No meio disto, só agradeço a Deus por as almas caridosas que se dão ao trabalho de inventar estas provas, não se terem lembrado de pedir aos alunos que imitassem uma doninha fedorenta. Acredito que seria uma prova memorável para o olfato de todos.
2. No próximo mês de junho, estes mesmos alunos serão chamados a realizar provas de Português e Estudo do Meio e de Matemática e Estudo do Meio. A novidade é que as provas serão realizadas em computador. Como se pode aferir se um aluno domina ou não os conhecimentos de Língua Portuguesa, de Estudo do Meio ou de Matemática, se tiver dificuldades em termos informáticos?  Além disso, nem todos estarão em pé de igualdade, porque nem todos têm computador para treinar e a rede, em muitas escolas, deixa muito a desejar. Num agrupamento a meia dúzia de quilómetros de minha casa há, ainda, 150 alunos do 5.º ano que não têm computador. Como vão eles realizar as provas? Tanto quanto sei, foi pedido a colegas de outros anos que tragam os deles, para que aqueles possam resolver as provas de aferição. Mas, estarão estes alunos em igualdade de circunstâncias com os de outras escolas que já têm computadores desde o início do ano ou mesmo de anos anteriores?
3. Uma coisa é certa: o Ministério irá perorar sobre o notável progresso dos alunos e das fantásticas competências que adquiriram. Dados os notáveis resultados que se adivinham nas provas de Expressões, não consigo compreender porque é que os testes de Pisa, por exemplo, não incluem provas deste género e insistem apenas em provas de Língua Materna, Matemática e Ciências, quando podiam pôr os alunos a imitar o miar de um gato mudo, o som estridente de uma enguia ou o zumbido da Abelha Maia.
4. Entretanto, foram tornados públicos os resultados do PIRLS 2021. Como era de esperar, a prestação dos alunos portugueses piorou (541 pontos, em 2011; 528, em 2016 e 520, em 2021). O Ministério, antecipando-se à saída dos resultados, convocou uma conferência de imprensa e anunciou ao mundo que os resultados dos alunos portugueses melhoraram. Para tal conclusão, os responsáveis ministeriais pegaram apenas nos resultados dos 25% de alunos que realizaram a prova em papel (531 pontos, 2098 alunos), esquecendo-se dos restantes 75% que as haviam resolvido em formato digital (520 pontos, 6111 alunos), concluindo que a epidemia não trouxe a desgraça que alguns profetizavam e que até houve uma melhoria dos resultados (3 pontos). Não deixa de ser curioso que a prestação mais fraca dos alunos que realizaram a prova em formato digital não tenha feito soar, no Ministério da Educação, os alarmes para o que poderá suceder com as Provas de Aferição. Daqui se pode concluir que contra opiniões e ideologia não há factos que valham e, quando os há, retalham-se bem retalhados de forma a poder ser como a pescada, aquele animal que antes de ser já o era.”


Imagem de Charles por Pixabay