Questões de educação
António Franco
Há dias, o Facebook lembrou-me uma publicação feita por mim, em 30 de setembro de 2014, onde escrevi: “Para que conste, há escolas que têm todos os professores desde o primeiro dia de aulas”. Chegados a 2022, a publicação continua atual.
É um facto que, desde há dezenas de anos, o país se habituou a conviver com inícios de ano letivo em que a maioria dos agrupamentos/escolas não têm professores para todas as disciplinas. Em alguns casos (escolas do 1.º Ciclo), não tem professores de todo, o que levou a que houvesse escolas ainda encerradas, nos finais de setembro. Chegamos ao ponto de, recentemente, o Ministro da Educação se ter congratulado com o facto de apenas sessenta mil alunos estarem sem aulas, pelo menos a uma disciplina, na medida em que isto significava uma melhoria relativamente ao ano anterior.
No final do mês de setembro, esse número era já superior a cem mil alunos, visto que mais de dois mil professores entraram de baixa médica, desde o início do ano letivo. Acresce a isso, o facto de a lei, até início de setembro estipular que o atestado deve ser pelo menos de 30 dias para se poder dar início à substituição do professor. Entretanto, este prazo foi encurtado para 12 dias, tentando diminuir o tempo que os alunos estão sem aulas. Agilizou-se, também, a possibilidade de as escolas poderem contratar diretamente professores, por o lugar ter continuado vago depois de saírem as reservas de recrutamento semanais ou os colocados terem recusado a colocação. Foi dada, ainda, a possibilidade de pessoas com licenciatura ou mestrado, sem ser na área pedagógica, poderem concorrer a esses concursos abertos pelas escolas.
Mesmo assim, e apesar de todos estes esforços, muitas vagas continuam por preencher. Havia, em finais de setembro, mais de 1500 horários por preencher, por não terem tido professores interessados, ou por os colocados terem recusado a colocação, ou, ainda, por a terem aceitado, renunciando ao contrato no dia seguinte, dado isto ter implicações diferentes na lista graduada em relação à não aceitação.
Quanto à possibilidade de haver professores não profissionalizados a lecionarem, ela sempre existiu, embora fosse residual. Quando não havia professores de todo para uma dada disciplina, era possível ver um licenciado pré-Bolonha a lecionar, pois continua(va) em vigor o diploma legal que estabelece(ia) as habilitações próprias para lecionar (diferentes da habilitação profissional). No entanto, mal se falou da possibilidade de pessoas sem formação pedagógica poderem lecionar, “caiu o Carmo e a Trindade” e logo apareceram relatos apocalípticos do que iria suceder ao sistema de ensino e aos alunos vítimas desses “professores” sem formação.
Como em tudo na vida, há que ter ponderação nestas discussões. A formação pedagógica é importante, mas, durante a minha carreira de 36 anos de ensino, conheci excelentes professores que nunca a fizeram ao longo de toda a sua carreira. Vejamos dois casos concretos, de pessoas que conheço, para que nos apercebamos que cada caso é um caso: 1) professor universitário, doutorado numa determinada área, foi responsável, durante alguns anos, pelo acompanhamento dos alunos do seu curso em estágio pedagógico. Por não ser profissionalizado, não pode lecionar nos 2.º, 3.º Ciclos e Secundário; 2) professor universitário com 3 licenciaturas e um doutoramento em Pedagogia, teve de deixar de lecionar num colégio, há uns anos, por não ter a profissionalização feita. Entretanto leciona numa universidade. Alguém pode dizer que estes professores não reúnem condições para lecionarem em escolas básicas ou secundárias? Outro exemplo: nos Estados Unidos, há muitos casos de profissionais de excelência que, a determinada altura das suas vidas, resolvem fazer uma pausa na carreira, dedicando-se à lecionação nas escolas que frequentaram enquanto estudantes. Muitos fazem-no como forma de pagarem a “dívida” (de gratidão) que sentem ter com a sua antiga escola. Isto permite a essas escolas, durante alguns anos, terem pessoas de topo em determinadas profissões entre os seus professores.
Isto remete-nos novamente para a questão da formação pedagógica que sem dúvidas é muito importante. Não podemos é pensar que ela é mais importante que a formação científica. Um bom pedagogo, se for mau a matemática, nunca poderá ser um bom professor dessa disciplina.
Mas voltando à questão inicial: por que motivos há escolas que iniciam o ano letivo com todos os professores?
Se virmos quais são, verificamos que, quase todas elas, são particulares e cooperativas. Refira-se que, no ensino particular, as tabelas salariais são inferiores às da escola pública, não há reduções de horário com a idade e os tempos letivos, em muitas delas, são de 60 minutos e não de 45 ou 50 minutos o que, num horário completo (22 horas), faz com que lecionem, no mínimo, mais 3h40m por semana que os seus colegas.
A principal diferença tem a ver com a forma como é efetuada a contratação. Esta é feita diretamente pela Direção, através de entrevistas, o que permite contratar rapidamente professores, fazendo com que os alunos não fiquem sem aulas. Quando o professor é entrevistado, é-lhe dito logo que o horário é de X horas. Por sua vez, quando um professor é colocado numa escola pública que levou a concurso nacional um horário de 22 horas, pode lá ser colocado um professor do Quadro Distrital de Vinculação, com 60 anos e 30 anos de serviço que tem direito a redução de 8 horas letivas. Neste caso, se o professor aceitar a colocação, 8 horas irão ficar sem professor atribuído, ou seja, 1/3 dos alunos daquele horário vão continuar sem professor.
Poder-se-á dizer: se as escolas puderem contratar diretamente os docentes, as contratações passarão a ser feitas por cunha.
Realmente esse perigo poderá existir, mas não acredito que, no ensino particular, dependendo a viabilidade económica das escolas dos alunos que as frequentam, se possam dar ao luxo de contratar um professor incapaz, apenas por ser amigo do Diretor, correndo o risco de poder perder alunos por esse facto.
Por outro lado, no ensino público a contratação pelas escolas deveria ser acompanhada pela possibilidade de os alunos poderem verdadeiramente escolher a escola que querem frequentar (falo apenas de escolas públicas) e não estarem limitados pela sua morada. Em última análise, o Ministério deveria ter a coragem de fechar as escolas que não tivessem procura, deixando de lá colocar administrativamente alunos como atualmente acontece. Se o fizesse, os professores a contratar diretamente pelas escolas, sê-lo-iam apenas pelas suas capacidades e não por serem amigos de Y ou X, pois a escola não poderia perder alunos, sob pena de ter de despedir professores, ou estes, tratando-se de funcionários públicos que não podem ser despedidos, terem de mudar de escola.
Há, ainda, um outro entrave à contratação pelas escolas: os sindicatos, especialmente a Frenprof, uma vez que a sua grande força reside no facto de terem apenas um interlocutor, o Ministério da Educação, podendo concentrar aí toda a sua pressão, o que não aconteceria se as escolas pudessem contratar diretamente os seus educadores.
Termino este artigo com outra memória mais recente: “As aulas começaram há quase três semanas, mas há muitos professores e alunos que vivem na anormalidade. O PÚBLICO vai acompanhar estas pessoas num dia de escola normal.”, in Público. Normal (sem itálico) era terem todos os professores. Essas escolas é que mereciam uma visita. Os bons exemplos deveriam ser divulgados e servir de inspiração”.
Imagem de Wokandapix por Pixabay