No 20.º aniversário da Morte do Pe. Arménio
Padre Arménio – Músico. A sua relação com os órgãos de Aveiro [9]
Domingos Peixoto
A remodelação do órgão da Igreja da Glória
À semelhança do que acontecera na Vera Cruz, feita a restituição da fala ao velho órgão da igreja, o instrumento iria entrar numa fase de remodelação e ampliação, tentando, em primeiro lugar, responder ao novo contexto da renovação litúrgica apontado pelo Concílio Vaticano II e, em segundo lugar, adaptá-lo ao novo espaço que iria ocupar, na sequência das obras já projectadas para a catedral. Numa carta ao organeiro, o Pe. Arménio manifesta a sua vontade de renovar o instrumento:
“Meu bom amigo. Os meus respeitosos cumprimentos
Como sou um insatisfeito, resolvi fazer uma remodelação no órgão e, ao mesmo tempo, acrescentá-lo em dois jogos que me foram oferecidos. […] Pe. Arménio”[1].
É interessante notar que o seu próprio curriculum, registado no programa do concerto dos Pequenos Cantores da Glória em 3 de Fevereiro de 1973, a que atrás se fez referência, reflecte este carácter ‘insatisfeito’ do Pe. Arménio:
“Entretanto, o seu gosto, a sua intuição musical e o seu saber fazem-no inquieto e obrigam-no a tomar iniciativas de profundo alcance pedagógico e litúrgico”[2].
A Igreja da Glória revelara-se pequena para o movimento da catedral da Diocese. As obras de ampliação, previstas para 1970, acabaram por se iniciar apenas três anos mais tarde. O órgão seria transferido para o coro alto e, depois de concluídas as obras do templo, instalado no espaço que hoje ocupa, por cima das portas góticas junto ao arco cruzeiro:
“Senhor Rodrigues. Os meus respeitosos cumprimentos. Em resposta ao seu postal, informo que, em virtude das obras da Sé poderem começar no próximo ano, ficou resolvido transferir o órgão para o coro […] Espero que em Agosto ou Setembro esteja pronto a afinar […] Sem outro assunto, cumprimentos para o Sr. Joaquim, e um abraço, até breve. Pe. Arménio”[3].
No seu testemunho, o Dr. Alberto Souto deixa-nos a memória desse tempo:
“[…] O carpinteiro foi o Sr. Padre, encavalitado na estrutura decrépita do velho órgão da Sé a recuperar o ‘dito cujo’ à custa da plaina, da lixa, do martelo e dos pregos. Lá ajudávamos a carregar os tubos de madeira e as ferramentas pelas escadas acima para o coro alto (a bem dizer só atrapalhávamos o Sr. Mendonça…) e premíamos as teclas à socapa e ligávamos o incrível fole de ar, que ronfava em concorrência com os acordes, que sempre me pareciam celestiais. O órgão foi recuperado e, no primeiro dia em que tocou, o brilho dos seus olhos não escondia a alegria e a pequena vaidade. Santa Cecília intercedeu por si nesse pecado e logo foi absolvido […]”[4].
Embora sem data, a carta que se segue refere-se certamente à afinação do órgão em fins de 1969, após a transferência para o coro alto:
“Caríssimo amigo [Joaquim]. Recebi a sua carta que muito agradeço, bem como os conselhos para a montagem do órgão. Devo dizer que espero tê-lo montado durante as férias, para que no princípio de Outubro se possa principiar com a afinação. Por isso, peço-lhe que não se comprometa com serviço para essa altura, pois no dia de Cristo Rei quero-o a funcionar! […] Cumprimentos ao Sr. José. Um abraço. Pe. Arménio”[5].
[1] Carta de 1968.11.21 (Aveiro, Paróquia da Glória).
[2] Em 31 de Janeiro de 1969, a propósito da reparação do órgão do coro alto do Museu, o Correio do Vouga menciona o órgão da Igreja da Glória, “que neste momento está ainda a receber novos benefícios para uma maior valorização”.
[3] Carta de 1969.05.06 (Aveiro, Paróquia da Glória).
[4] Sinfonia, p.207.
[5] Carta s/d (Aveiro, Paróquia da Glória).