No 20.º aniversário da Morte do Pe. Arménio
Padre Arménio – Músico. A sua relação com os órgãos de Aveiro [14]
Domingos Peixoto
O órgão da Igreja do Seminário. Um testemunho
Em jeito de recapitulação, ninguém melhor do que a sua irmã Maria da Assunção nos poderia relatar o processo da construção, num texto que teve a amabilidade de escrever:
“A concretização de um sonho.
Pe. Arménio – Um sonho que se aproximou da realidade
Chegou o momento de se deitar mãos à obra. Aproveitando a situação da reforma do pai, o Padre Arménio deu início à realização do seu sonho – construir um órgão em madeira. A escolha da matéria-prima era propositada; era mais fácil de trabalhar e mais pessoal, se bem que este material fosse menos comum nesta altura.
Precisava de orientação sobre diferentes madeiras. O peso era um aspecto que tinha que ser equacionado. Teria que ser uma madeira leve e que fosse adequada para a forma que se desejava e o fim específico em vista. Dinheiro, havia pouco e a obra em si era exigente.
O pai do Padre Arménio tinha uma boa relação com uma empresa amiga, que recebia paletes em madeira de ‘balsa’, que não eram aproveitadas. Ao verificarem a qualidade da madeira e convencidos de que correspondia à qualidade que procuravam, decidiram pedi-la para, reciclada, terem a necessária matéria-prima para o sonhado órgão.
Muita madeira destas paletes foi aproveitada, ainda que não tenha sido a suficiente. Para completar a obra, comprou-se a que faltava.
Com a chegada das primeiras paletes foi obrigatório montar uma ‘oficina de carpintaria musical’, sem máquinas, que foi instalada numa cave existente no Seminário. O trabalho começou pela divisão das tábuas, por tamanhos e qualidade, rejeitando toda a que não fosse perfeita.
O Padre Arménio, como o grande ‘arquiteto e responsável da obra’, apresentava ao pai o projecto que ia progredindo ao longo do tempo, ao mesmo tempo que lhe dava todas as explicações, pormenorizadas, sobre os diferentes modelos para os tubos, em vista dos fins a alcançar.
Enquanto o pai preparava a madeira, o Padre Arménio estava ausente nos seus trabalhos pastorais. Os encontros entre o pai e o filho davam-se nos pequenos intervalos que o Padre Arménio arranjava para, em comum, acertarem permanentemente, e em pormenor, as necessárias tarefas. Tudo corria de tal maneira que não havia percas de tempo. Com alguma facilidade o Padre Arménio aprendeu a dominar as técnicas de manusear a madeira. Ele aprendia depressa, mas tinha como ‘dificuldade’ os muitos compromissos que lhe ocupavam o tempo todo. Foi, na verdade, um trabalho de ‘pega e larga’. A construção do órgão demorou alguns anos. Todos os momentos disponíveis para desenvolver o projecto não somavam dois dias por semana.. Foram muitos os obstáculos que se apresentaram, mas o Padre Arménio sempre os enfrentou com coragem e determinação.
Que alegria quando se colocou a primeira fila de tubos na estrutura que os iria suportar a todos. Aqueles já estavam no sítio certo e em definitivo.
A resolução dos problemas que foram surgindo levou o Padre Arménio a tomar consciência que em alguns casos as coisas não saíram com a perfeição desejada. Perante esta realidade, ficava um pouco desapontado e triste, mas alguém o confortava dizendo: “de padre a carpinteiro e organeiro não é seguramente uma experiência fácil”, até porque nunca tinha mexido em madeira. Houve necessidade de parar algumas vezes para estudar pacientemente os percalços que surgiam, para depois dar continuação ao trabalho, já refeito da dificuldade o mais possível resolvida.
A construção do órgão ia tomando forma e o objectivo era concluir uma primeira fase, para que estivesse pronto a tocar na Igreja do Seminário num dia pelo Padre Arménio sonhado. Mas entretanto o pai adoece, com doença prolongada, e esta situação causou ao Padre Arménio uma séria preocupação. Numa curta estabilidade da doença o pai propôs que se continuasse o trabalho e, nessa altura, o Padre Arménio organizou a sua vida de maneira a disponibilizar um pouco mais de tempo para acompanhar mais de perto a lenta e ameaçada concretização do seu sonho. Falavam da intenção de alterar e de avaliar melhor algum trabalho já feito. Contudo, nada chegou a ser alterado.
As forças do pai foram falhando, outros problemas graves surgiram e o tempo acabou antes que se pudesse fazer a revisão desejada.
Apesar destes percalços, o órgão funcionou no momento programado e, mesmo com lacunas que só o Padre Arménio entendia, o som encheu a Igreja do Seminário.
Foi um dia muito feliz para o Padre Arménio com o sinal visível do seu sonho realizado. O sonho aproximou-se da realidade. Em confidência para os ‘três’ que apareciam por lá, dizia que “gostava que ficasse melhor, mas era o início de uma experiência que tinha sido muito rica e que o Pai do Céu iria muito seguramente dar-lhe outras oportunidades. Quando se acaba é que se está pronto a iniciar o mesmo trabalho”.
Não foi esse o projecto de Deus, pois o veio buscar antes da última e definitiva revisão. Com Deus não se discute”.