Oratório Peregrino
Um oratório à maneira de um viático para tempos de carestia
Uma proposta desenvolvida em parceria com
Irmãs do Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro
XII – «De noite ou de dia»
«De noite e de dia, a semente germina e cresce, sem ele saber como» (cf. Mc 4, 26-29).
Esta pequena parábola realça a força, a vida do grão. O grão leva no seu interior a vida; está vivo, desenvolve-se… Que força (tem) a graça que habita em nós! O semeador seguiu o seu caminho, e o dia e anoite passaram. Confiou na vida que havia no grão.
A vida do grão desenvolve-se debaixo da terra, é independente dos acontecimentos exteriores. Os acontecimentos atmosféricos, tormenta, sol, tudo isso favorece o desenvolvimento da planta. Tememos a chuva, mas a chuva é necessária para ela. Tememos o sol e os seus raios ardentes, mas contribuem para desenvolver a planta, para lhe dar uma força interior, uma vida que se desenvolve.
O mesmo acontece com o Reino de Deus que está em nós. O seu crescimento oco0rre com a obscuridade da fé, de noite, como acontece com o grão. Todo o problema da graça, do crescimento espiritual está nisto com todo o mistério que contém. Esta vida, a mais importante de todas, está encarnada no humano, oculta-se por trás do humano e não a vemos. Vejo a noite, o dia, as circunstâncias exteriores; a sua vida íntima não a vejo, está escondida porque não é visível para os sentidos, é espiritual.
Confiemos na graça; o crescimento espiritual necessita de tempo. Deus dirige o movimento. O agricultor, semeador, é Ele quem faz crescer essa vida, que é a sua.
Acreditemos na força da graça, acreditemos nesta chamada à santidade que não vem de nós, das nossas capacidades, mas da vitalidade da graça. Confiemos no desenvolvimento da graça no meio de tudo: no meio das noites, dos acontecimentos e vicissitudes. Nada se perde, a vitalidade continua viva na noite… Pensai nas folhas que parecem mortas num dia de tormenta, como se a natureza estivesse de luto, e, no dia seguinte, sentimos uma vitalidade nova. O mesmo acontece nas noites da alma (I 24-7-44).
O que é o Reino de Deus? É o reino da vida de Deus em nós. A vida divina, participação na própria vida de Deus, que se nos dá, é uma vida espiritual e, portanto, misteriosa, inefável. Estamos perante uma realidade que a nossa linguagem humana não pode expressar com exactidão, por isso, Jesus fá-lo com parábolas. Não diz: «o Reino de Deus é…», mas «o Reino de Deus pode comparar-se a…», «é como…».
Também a vida natural é, de certo modo, um mistério. O semeador não sabe como cresce o grão que depositou na terra; comprova que «a semente germina e vai crescendo sem ele saber como. A terra vai produzindo sozinha a colheita; primeiro o caule, depois a espiga, depois o grão» (Mc 4, 27-28).
É assim como, ainda mais misteriosamente, se desenvolve a graça. Desenvolve-se «como» o grão porque, como o grão, leva em si mesma o princípio do seu crescimento. A parábola de Marcos exprime muito bem o dinamismo da graça. Do mesmo modo que o dinamismo da vida está no interior do grão que cresce e dá fruto, de mesmo modo acontece com a vida divina, que está em nós, possui no seu interior o princípio do seu crescimento. A graça não é algo que dorme num recanto da alma, mas está viva e quer desenvolver-se (I 23-7-44).
Estamos feitos para viver unidos a Deus, para crescer no seu amor. Do mesmo modo que o grão de trigo dá espigas de trigo pela sua mesma natureza, faz parte da natureza da graça levar a alma à união divina: «… Como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti; para que assim eles estejam em Nós» (Jo 17, 21). A graça leva-nos a este destino; é esta a sua finalidade. Deus é o nosso fim; alcançá-lo é a perfeição (QV 148). O Concílio Vaticano II recorda-nos que estamos todos chamados à santidade.
Mas não vemos o desenvolvimento da graça; a vida divina não se percebe pelos sentidos. Na sua obra o Castelo Interior ou As Moradas, Teresa de Jesus indica no entanto etapas precisas de crescimento espiritual. São as sete moradas do castelo, cada uma marcada por um crescimento na união com Deus; são as transformações sucessivas da alma no seu caminhar para o seu centro mais profundo, para a Morada central do castelo, onde reside deus e onde a alma o alcança perfeitamente, quando a graça a conquistou completamente. São João da Cruz fala de graus de amor: «quantos mais graus de amor tiver, tanto mais profundamente entra em Deus e se concentra n’Ele» (CH 1, 13).
Contudo, se a experiência leva os místicos a perceber algum ponto de referência no itinerário espiritual que descrevem, nem por isso deixam de afirmar a obscuridade do caminho. Estes marcos, por muito luminosos que sejam por vezes, não os percebemos como percebemos os fenómenos sensíveis. A própria Santa Teresa de Jesus indica que há sempre certa instabilidade na alma, e «a alma cresce, e cresce de verdade, mas não como o corpo, embora assim o digamos» (V 15, 12).
Este crescimento tem altibaixos, avança e recua, e não há modo de encontrar regularidade e lógica. Para São João da Cruz, estas regiões por onde a alma caminha são como regiões sem caminhos, e são diferentes para cada alma.
Quando os juízes perguntaram a Joana de Arco «se sabe se está em graça de Deus», ela responde: «Se não estou, que Deus me ponha; e se estou, que Deus me guarde». Uma admirável resposta que nasce da humildade da fé e da confiança em Deus.
O Padre Eugénio Maria sublinha o desenvolvimento vivo e completo da graça e faz-nos voltar à fé. Pois a alma caminha na noite da fé. Deus é quem semeia e realiza o crescimento. A graça possui em si mesma um princípio dinâmico, mas necessita de alimento e só Deus é o seu alimento: aproximemo-nos das fontes da vida divina que são a oração e os sacramentos; aproximemo-nos, de modo especial, da Eucaristia, pão de Vida eterna» (Jo 6, 35). Nada pode parar o dinamismo da graça, excepto o pecado e a falta de confiança. E se alguma vez nos parecer que tudo está perdido, é mais do que nunca o momento de ter confiança na graça. Deus é fiel. «Se formos infiéis, Ele permanecerá fiel, pois não pode negar-se a si mesmo» (2 Tm 2, 13). A graça não pode deixar de ser o que é: graça santificante que nos santifica ao purificar-nos, «pode para fazer imensamente mais do que pedimos ou imaginamos» (Ef 3, 20). Ofereçamo-nos a este poder infinito de Deus.
Meu Deus, sou o campo que regais
depois de o ter semeado.
Abri os meus olhos e o meu coração
para poder ver as maravilhas
que o vosso amor realiza.
As tempestades que possa encontrar
nunca diminuam a minha confiança.
Como São Paulo, tenho a segurança
de que nada me poderá separar
do vosso amor.
Imagem de katerinavulcova por Pixabay