Sáb. Mar 22nd, 2025

Oratório Peregrino

Um oratório à maneira de um viático para tempos de carestia
Uma proposta desenvolvida em parceria com

Irmãs do Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro


V – Tende fé na vossa fé

«Qual é a condição essencial para «tocar» (cf. Lc 8, 45-48) a Deus, para receber a sua graça e a sua misericórdia? Deus quer a nossa colaboração para poder derramar o seu amor em nós. Mas qual? São João da Cruz pôs a fé como condição essencial.

 

A vida de Jesus na terra permite-nos ver a fé em acção e informa-nos sobre o que temos que fazer para entrar em contacto com Deus. Vejamos no Evangelho a fé do centurião (Mt 8, 5-13).

 

«Senhor, eu não sou digno de que entres debaixo do meu tecto; mas diz uma só palavra e o meu servo será curado». O que nos ensina aqui o centurião? A sua confiança em Nosso Senhor. Fá na transcendência de Nosso Senhor, que vai mais além de todos os meios sensíveis e que pode tudo. E, de seguida, assistimos ao estremecimento da alma de Nosso Senhor, toma de contacto com esta fé. «Em verdade vos digo: Não encontrei ninguém em Israel com tão grande fé!». E diz ao centurião: «Vai, que tudo se faça conforme a tua fé». Compreendemos o que é uma fé activa. Não é um acontecimento passageiro. É uma das leis da acção de Deus, da vida espiritual.

São João da Cruz diz: «A fé é o único meio próximo e adequado para a alma se unir com Deus» (2 S 9, 1). A fé alcança verdadeiramente a Deus. Não chegamos a Deus com a nossa inteligência, pois entre ela e Deus existe uma distância infinita. Como franquear esta distância, como «tocar» a Deus, a esse Deus que é Amor, a esse Deus que é vida? Pela fé.

 

A fé é uma antena que nos permite franquear a distância infinita que nos separa de Deus. A fé alcança a Deus com tal força que Deus se dá necessariamente, porque Deus é Amor, porque Deus é uma fogueira. Se pusermos um papel em contacto com o fogo, queima-se (I 6-4-66).

O Padre Eugénio Maria quer ajudar a todos os que querem iniciar uma vida de oração e talvez estejam desconcertados porque têm a impressão de não chegarem a Deus. Por isso, não cessa de nos ensinar a importância do lugar que ocupa e do papel que a fé desempenha na relação com Deus.

Porquê a fé?

Com a sua inteligência, o homem é capaz de reconhecer que Deus existe (Rm 1, 20), mas trata-se de um simples conhecimento natural que o mantém muito longe de Deus. Porque Deus não é uma ideia que posso alcançar com uma reflexão, como tampouco é uma coisa que posso agarrar com minha mão; Deus é Alguém. Alguém que veio ao encontro do homem: que nos falou por meio de seu Filho Jesus. «A Deus jamais alguém o viu. O Filho Unigénito, que é Deus e está no seio do Pai, foi Ele quem o deu a conhecer» (Jo 1, 18). Deus, no seu Filho, veio revelar-nos as profundezas do seu mistério de amor. Veio dizer-nos quem é e que estamos chamados a ser seus filhos. Para chegarmos até Ele, deu-nos a sua vida, a graça, que tem os seus próprios meios de agir: a fé, a esperança e a caridade.

O que é a fé sobrenatural?

«A fé é uma virtude teologal pela qual cremos em Deus…» (CIC 1814), na Palavra de Deus contida na Escritura e confiada à Igreja. «Teologal» quer dizer que esta virtude é capaz de chegar a Deus, tal e como se revelou em Jesus Cristo. É um dom de Deus recebido no baptismo. Só a fé estabelece uma relação pessoal com Deus; só ela pode penetrar no mistério de Deus, porque só ela está adaptada para poder ter o conhecimento desse mistério: «Deus que habita numa luz inacessível, que nenhum homem viu nem pode ver» (1 Tm 6, 16). Só podemos chegar a Ele pela fé.

Vejamos o encontro de Jesus com Nicodemos (Jo 3, 1-21). Jesus não responde às suas perguntas como o faria um professor, explicando-lhe o mistério de Deus; não. Convida Nicodemos, um homem que sabe pensar e usar da sua inteligência, a entrar no mistério: «Nós falamos do que sabemos e damos testemunho do que vimos… Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna». Jesus é a testemunha; vem de Deus.

Jesus convida Nicodemos a crer apoiando-se na palavra de Deus. Compreende que a inteligência não pode abranger, compreender por si mesma a Deus, que é infinito. Só pode aceitar o mistério; não pode alcançar a deus por si mesma.

«E vós, quem dizeis que Eu sou?», pergunta Jesus aos seus apóstolos. «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo!» (Mt 16, 15-17). Neste episódio, a fé de Pedro chega até ao próprio mistério da pessoa de Cristo. Esta confissão não é fruto «nem da carne nem do sangue», de um modo de conhecimento humano, mas de uma revelação do Pai.

O acto de fé requer dar um passo, fazer um acto com a virtude da fé. Esta virtude da fé está enxertada na inteligência, como um enxerto numa vinha. Quantas vezes explicou o Padre Eugénio Maria esta comparação! Em Notre-Dame de Vie, muitos recordamos ainda os passeios que fazíamos perla colina que domina o santuário para ir ver como enxertavam a vinha.

Que faz o vinhateiro para enxertar? Escolhe um enxerto da videira de qualidade que quer ter fruto e enxerta-o na cepa que tem que alimentá-lo; a cepa toma da terra pelas suas raízes o alimento que necessita o enxerto.

Pois bem, a inteligência é a cepa primitiva, na qual enxertamos a fé. A vida de Deus em nós não é uma abstracção nem existe de maneira isolada, mas está enxertada nas nossas faculdades humanas. O homem é um todo: as minhas três vidas não se podem separar. O fruto que der será da qualidade do enxerto, e não da cepa primitiva. Assim também acontece com a fé, que realizará um acto da sua mesma natureza, um acto sobrenatural; e então chego até Deus, porque a fé está feita para isso, para «tocar» o infinito: é o seu privilégio. O acto de fé permite ao homem inteiro estar em comunhão com Deus. Não há diferença de natureza entre a visão de Deus que teremos no céu e a que temos, por fé, aqui na terra.

Quando morrer, será com os olhos abertos; não verei mais do que vejo agora com a , dizia o Padre Eugénio Maria.

Mas não basta com ter um bom enxerto; tem que se alimentara cepa para que beba a seiva e deste modo possa, por sua vez, alimentar o enxerto, que dará fruto.

As dificuldades da oração podem acontecer porque a cepa não está suficientemente alimentada. Há que alimentar-se da Sagrada Escritura, lê-la e meditá-la com a fé da Igreja, participar nos sacramentos que a Igreja nos propõe, pelos quias nos é transmitida a vida de Deus. Mas só podemos «tocar» a Deus com um acto de fé. Deus é Amor, e o Amor é sobretudo capacidade de difusão. O Padre Eugénio Maria explica-nos a com a sua linguagem cheia de imagens:

Deus é fogueira, fogo, fonte, oceano. Quando entro em contacto com Deus pela fé, podemos comparar isto com a acção do fogo: se ponho a mão no fogo, queimo-me; se ponho a mão na água, molho-me. O que recebo no contacto que tenho com Deus pela fé é a vida divina. O Deus vivo, a vida de Deus vem a mim (I 19-8-56).

Tenhamos fé na nossa fé!

 

Sejam quais forem as nossas impressões,

Deus está aí.

Não nos exponhamos a receber a repreensão

que Jesus fez aos seus apóstolos:

«Onde está a vossa fé?» (Lc 8, 25).

De dia ou de noite, meu Deus,

posso comunicar contigo.

Creio e persevero em paz diante de ti.


Imagem de Comfreak por Pixabay