No 25.º aniversário da morte de Júlia d’Almendra (1904-92) (5)
Um projecto para a Música Sacra em Portugal
Por Domingos Peixoto
Durante a sua formação, Júlia d’Almendra fizera o diagnóstico da situação da música sacra em Portugal e, ao regressar de Paris, tinha já delineado um plano de acção, de acordo com as orientações da Igreja – nomeadamente o Motu Proprio de S. Pio X – e a sua experiência em França. Trata-se de um projecto coerente, com estratégias inteligentemente definidas; para o executar, contará com o apoio incondicional dos seus mestres e com a colaboração do Episcopado e do Governo Português.
Antes de mais, como ponto de partida, Júlia d’Almendra situa o seu plano de acção num contexto espiritual: o canto gregoriano como a oração cantada da Igreja. Nas suas palavras, proferidas numa entrevista em 1963, explicita:
“o canto gregoriano não é, como alguém disse, um mero ornamento da liturgia; ele é a vida da própria oração. Daí talvez o segredo da sã alegria que faz sentir a quem o trabalha”[1].
Assim, a prática e a vivência do canto gregoriano cria o ambiente espiritual subjacente a todas as actividades. Depois de se referir ao concerto de Órgão de Claude Bouglon na XXIV Semana Gregoriana, Júlia d’Almendra acrescenta:
“Contudo, se esta parte do programa da XXIV Semana foi excelente, não é ela o centro, a razão vital, a finalidade destas Semanas, cujo objectivo é e deverá ser sempre a parte litúrgica com as suas missas cantadas por todos os participantes e o seu Ofício de Completas, que tão bem encerra cada dia de trabalho”[2].
De resto, os próprios recitais de órgão organizados pelo Centro de Estudos Gregorianos tinham a designação de ‘concerto espiritual’ e incluíam, por vezes, o Ofício de Completas, encerrando-se com a bênção do Santíssimo Sacramento; assim aconteceu, por exemplo, no primeiro ciclo de órgão em São Luís dos Franceses, por Geneviève de La Salle em 1955-56, e em São Vicente de Fora, num concerto por Sibertin-Blanc em 1961[3].
Por ocasião da X Semana Gregoriana, Júlia d’Almendra exprime assim a integração do canto gregoriano na arte e na espiritualidade:
“A íntima união da oração e da arte, da melodia e da palavra que canta por si própria, ou da melodia que canta sem palavras prolongando para além dela o que a palavra não pode dizer… tudo é oração e arte, a qual mais encanta, prende e eleva, quanto mais perfeita a técnica em que se baseia a sua interpretação”[4].
[1] Canto Gregoriano n.º 76, p.27.
[2] Ib. n.º 68, p.24.
[3] Idalete Giga, “A criação do Centro de Estudos Gregorianos e a sua actividade coral no universo da música sacra”, in Maria do Rosário Pestana (coord.) 2015, Vozes ao alto, Lisboa, mpmp – movimento patrimonial pela música portuguesa, pp.312 e 323, respectivamente.
[4] Canto Gregoriano, n.º 12, p.20.
(Foto: http://centroward.wixsite.com/centrowardlisboa/j)