Modos de interação entre ciência e religião
π [Pessoas & Ideias]
π.1 | Polanyi e o Puzzle
Miguel Oliveira Panão
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O diálogo entre a ciência e a fé acontece dentro de cada pessoa. Em ti. Em mim. Mas existem algumas pessoas especiais que do seu interior brotaram algumas ideias que nos inspiram a compreender mais e melhor este diálogo. Neste sentido, entrar em maior profundidade no diálogo entre ciência e fé parece-me passar por conhecer um pouco mais sobre algumas dessas pessoas e quais as ideias que nos podem ajudar a caminhar na direcção de uma unidade mais fecunda entre estes dois pólos. Daí que tenha designado esta iniciativa por PI (π) que significa “Pessoas & Ideias”. E começaria por Michael Polanyi (1891 – 1976) que faleceu no ano em que eu nasci.
Michael Polanyi é químico, mas ao longo da sua vida, a sua investigação gradualmente transita da ciência pura ao desenvolvimento de teorias para o conhecimento científico. Daí que tenha oferecido a Magnum Opus “Conhecimento Pessoal” (Trad. Eduardo Beira, 2013) onde explora de um modo inovador como não podemos dissociar aquilo que conhecemos da pessoa que desenvolve esse conhecimento e o oferece a todos. Mas de todas as suas ideias originais destacaria uma por estar próxima de uma experiência que todos podemos (e muitos gostam) de fazer: um puzzle.
Na coletânea de trabalhos intitulada Knowing and Being (KB, 1969, p. 51), Polanyi afirma que
Michael Polanyi é químico, mas ao longo da sua vida, a sua investigação gradualmente transita da ciência pura ao desenvolvimento de teorias para o conhecimento científico. Daí que tenha oferecido a Magnum Opus “Conhecimento Pessoal” (Trad. Eduardo Beira, 2013) onde explora de um modo inovador como não podemos dissociar aquilo que conhecemos da pessoa que desenvolve esse conhecimento e o oferece a todos. Mas de todas as suas ideias originais destacaria uma por estar próxima de uma experiência que todos podemos (e muitos gostam) de fazer: um puzzle.
Na coletânea de trabalhos intitulada Knowing and Being (KB, 1969, p. 51), Polanyi afirma que
«a eficiência de um grupo de auxiliares excederá a de um membro isolado, na medida em que algum membro do grupo irá sempre descobrir uma nova oportunidade de adicionar uma peça do puzzle mais rapidamente do que qualquer pessoa, isoladamente, o fará por si mesma.»
Para quem conhece menos o ambiente actual que vivem os cientistas, importa saber que estamos numa época que valoriza mais os rankings das universidade ou centros de investigação onde trabalhamos, fatores de impacte das revistas com revisão por pares e número de publicações, do que propriamente os temas que investigamos. Vivemos na época do Publish or Perish (Publica ou Morres). Por isso, a tonalidade que Polanyi dá à eficiência de um grupo é um aspeto importante para substanciar qual deveria ser o principal impulsionador da investigação científica: a busca da verdade acerca da realidade.
A metáfora proposta por Polanyi é a de que a nossa compreensão da realidade é como um puzzle feito de pequenas peças do conhecimento descoberto através da investigação científica. Por isso, quando fazemos uma observação, e produzimos um novo conhecimento a partir do estudo dessa observação, seria como procurar o lugar onde se encaixa uma determinada peça dentro do puzzle inteiro da realidade. Porém, para fazê-lo é necessário olhar cuidadosamente para todas as outras peças de conhecimento que fazem parte do puzzle, de modo a colocar a nossa peça no lugar certo. A questão é: devo fazê-lo por mim próprio ou dentro de um grupo de investigação?
Polanyi argumenta claramente a favor de uma abordagem relacional da investigação científica. Isto significa literalmente que o conhecimento é produzido mais rapidamente se for desenvolvido por uma comunidade de investigadores (ou grupo de investigação). Mas uma outra possibilidade é a de seguir uma abordagem histórica, isto é, a de que o conhecimento é produzido com maior eficiência se tomarmos em consideração o que outros investigadores fizeram no passado, procurando através das peças do puzzle que esses colocaram (pensando metaforicamente), qual o lugar apropriado onde encaixar a nossa peça.
O verdadeiro potencial desta metáfora reside em criar uma ponte entre tradição e inovação, enquadrando nova investigação dentro de outra realizada no passado, de um modo dinâmico e evolucionário. De facto, esta ponte informa o conhecimento do cientista e a sua prática, de tal modo que os desenvolvimentos científicos são encarados mais como uma forma de “arte exercida pessoal e intuitivamente por praticantes especializados”, diz Polanyi.
A compreensão da ciência como uma forma de “arte” pode devolver ao cientista a sua verdadeira motivação para fazer investigação – a procura da verdade acerca da realidade – em vez de a restringir ao seu valor económico e financeiro. Esta relação entre ciência e arte não só influencia o modo como é realizada a investigação, como também a educação dos cientistas e engenheiros. Porém, como pode uma pessoa que não trabalha em ciência, mas deseja fazer crescer o diálogo que essa faz com a fé dentro de si, usar esta ideia do puzzle?
Todos temos uma visão do mundo. Só quem tem a consciência dormente abdica dessa visão. E a visão do mundo manifesta-se na forma como juntamos na nossa cabeça as peças do puzzle da realidade da qual brotam as emoções diante das ideias. Depois experimentamos o contraste entre o que nos dizem ser conhecimento científico com o que interiorizámos como saber teológico. Parece-me que o esforço que fazemos para compreender as peças do puzzle pode ajudar a perceber se a visão que delas nos dão a conhecer faz, ou não, sentido. Pois, a visão do mundo de cada um não é alheia à visão daqueles que nos rodeiam. E se uma visão do mundo pode afectar a realidade à volta daquele que a partilha, ao reconhecermos que não existe visão do mundo que não seja fruto dos relacionamentos que temos com os outros, na prática, será a relacionalidade a construir a realidade. Um puzzle onde o contributo de cada pessoa tem o seu lugar na história humana.
A metáfora proposta por Polanyi é a de que a nossa compreensão da realidade é como um puzzle feito de pequenas peças do conhecimento descoberto através da investigação científica. Por isso, quando fazemos uma observação, e produzimos um novo conhecimento a partir do estudo dessa observação, seria como procurar o lugar onde se encaixa uma determinada peça dentro do puzzle inteiro da realidade. Porém, para fazê-lo é necessário olhar cuidadosamente para todas as outras peças de conhecimento que fazem parte do puzzle, de modo a colocar a nossa peça no lugar certo. A questão é: devo fazê-lo por mim próprio ou dentro de um grupo de investigação?
Polanyi argumenta claramente a favor de uma abordagem relacional da investigação científica. Isto significa literalmente que o conhecimento é produzido mais rapidamente se for desenvolvido por uma comunidade de investigadores (ou grupo de investigação). Mas uma outra possibilidade é a de seguir uma abordagem histórica, isto é, a de que o conhecimento é produzido com maior eficiência se tomarmos em consideração o que outros investigadores fizeram no passado, procurando através das peças do puzzle que esses colocaram (pensando metaforicamente), qual o lugar apropriado onde encaixar a nossa peça.
O verdadeiro potencial desta metáfora reside em criar uma ponte entre tradição e inovação, enquadrando nova investigação dentro de outra realizada no passado, de um modo dinâmico e evolucionário. De facto, esta ponte informa o conhecimento do cientista e a sua prática, de tal modo que os desenvolvimentos científicos são encarados mais como uma forma de “arte exercida pessoal e intuitivamente por praticantes especializados”, diz Polanyi.
A compreensão da ciência como uma forma de “arte” pode devolver ao cientista a sua verdadeira motivação para fazer investigação – a procura da verdade acerca da realidade – em vez de a restringir ao seu valor económico e financeiro. Esta relação entre ciência e arte não só influencia o modo como é realizada a investigação, como também a educação dos cientistas e engenheiros. Porém, como pode uma pessoa que não trabalha em ciência, mas deseja fazer crescer o diálogo que essa faz com a fé dentro de si, usar esta ideia do puzzle?
Todos temos uma visão do mundo. Só quem tem a consciência dormente abdica dessa visão. E a visão do mundo manifesta-se na forma como juntamos na nossa cabeça as peças do puzzle da realidade da qual brotam as emoções diante das ideias. Depois experimentamos o contraste entre o que nos dizem ser conhecimento científico com o que interiorizámos como saber teológico. Parece-me que o esforço que fazemos para compreender as peças do puzzle pode ajudar a perceber se a visão que delas nos dão a conhecer faz, ou não, sentido. Pois, a visão do mundo de cada um não é alheia à visão daqueles que nos rodeiam. E se uma visão do mundo pode afectar a realidade à volta daquele que a partilha, ao reconhecermos que não existe visão do mundo que não seja fruto dos relacionamentos que temos com os outros, na prática, será a relacionalidade a construir a realidade. Um puzzle onde o contributo de cada pessoa tem o seu lugar na história humana.
Imagem de abdulrhman almasri por Pixabay