Modos de interação entre ciência e religião
“P”… [“Pautado…”]
Pautado pelo Amor
Miguel Oliveira Panão*
É um somente um sentimento? Poderá ser uma decisão? Amor é uma palavra que possui tantos contornos e pontos de vista quantas as pessoas que existiram à face da Terra, existem ainda e existirão. O amor é uma fonte inesgotável de inspiração, mas reconheço ser, também, uma fonte de tensão. Porém, uma tensão criativa quando vivida na reciprocidade. E se desde o nascer ao pôr-do-sol da nossa vida, as nossas histórias fossem pautadas pelo amor?
O amor é indefinível, mas se não formos claros sobre o que o amor significa para nós, será difícil entender o que se quer dizer com pautar a vida pelo amor. Assim, considera a seguinte possibilidade: o amor é ser dom-de-si-mesmo. Imagina aqueles amigos capazes de fazer coisas por ti sem esperar nada em troca. Tu sabes que nada tens para dar em troca senão amá-los, mesmo se eles não esperam que os ames. Esses amigos são dom-de-si-mesmos e impulsionam-te a seres dom-de-ti-mesmo. Neste sentido, um acto de doação do nosso tempo, inteligência, arte, torna-se num acto de amor. O amor como dom impele-nos a um movimento que parte da nossa interioridade e se dirige a algo concreto exterior a nós. É como se saísse de nós ao encontro da interioridade do outro ou de algo.
Existem actos de paixão e sensualidade que vemos nos filmes que podem ser inspirados na vida real, mas não são autênticos actos de amor pela sua efemeridade e transitoriedade. Pois, aos actos de amor associa-se habitualmente um carácter perene e transformativo. Por outro lado, existem actos mais simples entre dois namorados que se olham, tocam, trocam sorrisos, que demonstram menos efusividade do que vemos nos filmes, mas não menos paixão. Porém, serão esses actos de amor? Recordo quando namorava e estava para casar. No dia 14 de fevereiro, dia dos namorados, a minha namorada (hoje esposa) apanhou uma gastroenterite e precisou de ir para o hospital. Havia um ensaio importante do coro do nosso casamento nesse dia, sendo necessário acompanhar esse ensaio, mas a minha escolha era óbvia. Só podia ser dom-de-mim-mesmo se estivesse junto da minha namorada e sofrer com ela num corredor do hospital.
A emergência da gratificação instantânea através das redes sociais tem pautado mais a nossa vida pela emoção do que pelo amor, confundindo os likes (gostos) como actos de amor dos outros em relação a nós, quando não o são necessariamente. Recordo de ver os likes à partilha dos textos que escrevia e quando confrontava alguém com o seu like para perceber melhor o que tinha “gostado”, fiquei inúmeras vezes a saber que não o tinha lido. O like (gosto) teria sido fruto de uma reacção e não de um gesto de retorno desinteressado e por amor. Depois dessa experiência, além de deixar as redes sociais, de cada vez que gostava de um texto de alguém, fazia questão de lhe enviar uma mensagem pessoal como agradecimento pelo seu pensamento ter sido um acto de amor que me tocou interiormente. As suas palavras tinham pautado a minha vida de amor e, na reciprocidade, um retorno seria a minha resposta a pautar também a sua vida de amor.
Um dos maiores perigos a deixarmos que a nossa vida seja pautada pelo amor parece-me ser o tempo cada vez menor que dedicamos a pensar nos nossos actos. A razão de pensarmos pouco naquilo que fazemos pode ser por termos tantas coisas para fazer, que vivemos a apagar fogos exteriores, em vez de acedermos fogos interiores com gestos de amor. Por vezes esquecemos o quanto pensar é realmente um acto de amor.
Pensar é deixar que o sentido e significado das coisas encontre eco dentro de nós. Pode ter lógica ou não ter. Pode até acontecer ter lógica “e” não ter. Isso é um resultado directo de pensar como acto de amor porque o amor é na sua essência paradoxal. Viver o paradoxo pode ser como um qubit que é 1 e 0 ao mesmo tempo na visão quântica da realidade. Somos zero, 0, para criarmos espaço à realidade de possível conversão. Somos um, 1, quando levados a descobrir o que une os opostos, expandindo os nossos níveis de interpretação da realidade a outros que promovem a unidade do conhecimento. Ainda, quando é zero, faz do desligar um tempo de pausa que muitas vezes precisamos para deixar assentar a poeira levantada por tudo aquilo que gera dissonância e nos impede de ser pautados pela melodia que o amor sugere. Em última instância, quem se deixar pautar pelo amor permite a Alguém em quem podemos assentar a nossa existência, e que se chama Amor, a possibilidade de fazer-nos tomar consciência de sermos parte de uma grande narrativa universal, onde a parte encontra o seu lugar no todo e todo encontra a sua riqueza na parte.
*Miguel Oliveira Panão é autor de “Tempo 3.0 – Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo” (Bertrand, Wook, FNAC) e para acompanhar o que escreve pode subscrever à sua Newsletter Escritos em
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