Bioética e sociedade
(Parceria com o Centro de Estudos de Bioética)
Artigo publicado no Correio do Vouga e na Agência Ecclesia
Luís Manuel Pereira da Silva*
Impressiona!
Impressiona a insensibilidade com que se está a preparar um hipotético alargamento dos prazos do aborto legal. Dois projetos estão na mesa que se propõem alargar para 12 ou para 14 semanas o prazo do aborto.
Digamo-lo com verdade e honestidade. O abortamento voluntário é a morte de um filho e com essa morte, a morte, também, da sua mãe e do seu pai, pois só há mãe e pai porque há um filho.
É disto que estamos a falar.
O filho em desenvolvimento no útero da sua mãe não é uma parte desta, mas antes um alguém (ou mais do que um, se for uma situação em que estamos perante gémeos) que confia e se confia à sua mãe, durante nove meses, para poder desenvolver-se e autonomizar-se, deixando de depender dela, em exclusivo, a partir do seu nascimento. O aborto trai este ‘depósito’ tácito de confiança.
E se já é grave que seja feito, em alguns casos, em circunstâncias de pressão que obnubilam a capacidade de decidir, a sua gravidade aumenta quando a sociedade se vai insensibilizando para o que, de facto, está em causa.
Um filho, cuja dignidade de humano deveria significar que conta com todos para se saber protegido, fica à mercê das decisões conjunturais para ver garantida a sua vida, quando, numa sociedade humanista deveria contar com o ‘abraço’ e conforto de todos para poder vir a nascer.
Mas, sob a ação de campanhas de manipulação da opinião pública, a sociedade prefere fazer de conta que se trata de um assunto individual, em relação ao qual ninguém tem nada a ver, como se um filho fosse propriedade de alguém e não um indivíduo com direitos próprios, uma dignidade humana e merecedor de cuidado e proteção.
Veja-se como se afirma que mais de 1300 abortos não foram realizados por estarem fora de prazo, como se não estivesse em causa a vida de 1300 como nós.
Se pararmos para pensar, quem dá uma notícia destas está a dizer, aos que vão nascer, dentro de meses: ‘vais nascer, mas muito contra a nossa vontade. Por nós, não terias direito a nascer.’
Importam-se de repetir?
Mais de 1300 abortos não se terem realizado por estarem fora de prazo é motivo de tristeza? É notícia?
Impressiona-me esta indiferença para com a vida de outrem.
Impressiona-me, também, esta manipulação da opinião pública que posiciona o tema de modo a insensibilizar as ‘hostes’ de modo a que possam acolher a decisão que se avizinha no horizonte: o alargamento do prazo do aborto.
Impressiona-me que não incomodem os mais 250 mil abortos realizados, desde 2007, ao abrigo da lei que já existe.
Como é que não incomodam estes números?
E pretende-se o alargamento dos prazos.
O objetivo é vir a chegar a 500 mil abortos? A um milhão?
E, se forem honestos, dado que reivindicam que o aborto é legítimo sob o pretexto de que se trata de uma ‘coisa’ que é parte do corpo da mulher, então, a reivindicação deve ser a de que se alargue o prazo até final da gravidez…
Não nos impressiona tamanhã insensibilidade?
E quem apoia a mulher que quer ser mãe e tem de ocultar a sua gravidez para não ser pressionada a abortar porque a lei deixou de a proteger?
E quem apoia a mulher que quer ser mãe mas a quem propõem que se desfaça do filho porque não tem condições para o sustentar?
Eu sei quem a apoia. Os que, no seu silêncio mediático, têm estado ao lado das mulheres que não desistem de ser mães porque sabem que não têm direito a tirar a vida aos seus filhos.
Eu sei quem a apoia. Os que alguns insistem em qualificar como conservadores ou já residuais, mas que, porque sabem que quem não conserva deixa estragar, não desistem do que é mais importante e reconhecem que cada vida humana é uma história única que ninguém tem direito a interromper antes de começar a narrar-se.
Há situações dolorosas em que o aborto parece ser a solução quando tudo é negro à volta? Há!
Mas não é boa opção, nessas situações, propor que a solução passe pela eliminação de um filho, quando, afinal, o que é necessário é acompanhar, dar condição para acolher e cuidar. É assim uma sociedade humanamente moderna, humanamente desenvolvida, cientificamente sustentada e validada pela factualidade de que uma gravidez não é um alargamento de um útero, não é o crescimento de uma ‘coisa’ no ventre de uma mulher, mas a história de uma vida em desenvolvimento com a proteção única da sua mãe.
Até quando continuará este processo manipulador e insensibilizador?
Cada filho abortado grita fundo nas consciências da sociedade. Mas há quem saiba muito bem abafar essa voz…