Sex. Mar 29th, 2024

Solenidade do Sagrado Coração de Jesus – 2022

Inauguração da Cúria Diocesana e Dia de oração pela santificação dos sacerdotes

1. Jesus dá a conhecer o que aprendeu do Pai

O desejo de conhecer Deus, de entrar na sua “intimidade”, não pode ser realizado senão pelo encontro com Cristo.

Este é o significado profundo da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus que tão profundamente alimentou a vida cristã de tantas gerações de cristãos, e na qual hoje se reza pela santificação dos sacerdotes, isto é, da nossa própria santificação.

A devoção ao Coração de Jesus surgiu no século XVII como resposta à reforma protestante, em que a fé se intelectualizou e foi necessário salientar os sentimentos humanos de Cristo e da Igreja. E assim foi surgindo, numa maior atenção ao próximo, a figura de um Jesus manso e humilde, compassivo e bondoso. Um dos quadros mais célebres do Coração de Jesus, deste tempo, foi pintado por Santa Luísa de Marillac, cofundadora com São Vicente de Paulo das Filhas da Caridade. Descreve o quadro por si pintado desta forma: “Nosso Senhor Jesus Cristo em pé, de tamanho quase natural, com o coração radiante sobre o peito, estendendo as suas mãos trespassadas e com expressão de bondade”. É a representação daquele a quem ela adorava no coração e para onde convergiam todas as operações da sua alma: “Tendo lido o Evangelho do bom semeador, e não reconhecendo em mim alguma boa terra, desejei semear no Coração de Jesus todas as produções da minha alma e as ações do meu corpo, para que, tendo o crescimento de seus méritos, eu não opere mais senão por Ele e n´Ele”.

Em 1675, durante a oitava do Corpo de Deus, Jesus manifestou-se a Santa Margarida Maria com o peito aberto e, apontando com o dedo seu coração, exclamou: “Eis o Coração que tem amado tanto aos homens a ponto de nada poupar até se exaurir e se consumir para lhes demonstrar todo o seu amor. E em reconhecimento não recebo senão ingratidão da maior parte deles“.

Acreditar no Evangelho é aceitar com confiança o anúncio de Deus por meio de Jesus, dar crédito às suas palavras, acolhê-las como verdadeiras.

2. A alegria do encontro

A primeira leitura do livro do profeta Ezequiel e o evangelho de S. Lucas no tão conhecido capítulo 15 – o das parábolas da misericórdia – falam-nos do pastor que dá a sua vida pelas ovelhas que lhe foram confiadas. O pastor, que é o próprio Deus, prescinde das noventa e nove ovelhas que estão salvas, para procurar a que está perdida. Não há referência sobre a culpabilidade da ovelha que anda perdida, mas é notório o apelo à vontade do Pai, para que não se perca nenhuma.

Encontramos nas três parábolas um final semelhante: a necessidade de partilhar a alegria, porque se encontrou o que estava perdido. Facilmente entendem e experimentam esta alegria o pastor, a mulher e o pai; mas aqueles que não são protagonistas no encontro do que estava perdido, sentem-se alheios a esta alegria. Nos três casos, torna-se imprescindível o convite a partilhar da alegria: “Alegrai-vos comigo”, “Tinha de fazer uma festa e alegrar-me”.

Para Jesus, o amor do Pai é uma urgência de resposta e compromisso, uma necessidade de discernimento, um apelo para a entrega e para o abandono. O projeto maior que Deus nos oferece tem o selo da vida de Jesus e chama-se santidade. S. Paulo, na segunda leitura da Carta aos Romanos, diz-nos que “o amor de Deus encontra-se derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi concedido”.

As nossas comunidades onde somos pastores, e com elas discípulos de Jesus, pedem-nos, não distância e alheamento, mas proximidade e estarmos em sintonia. Não esqueçamos que qualquer sacerdote toca os fiéis preferencialmente pela proximidade, pela alegria, pela transparência afetiva e pela bondade.

3. Os desafios que nos são colocados na caminhada sinodal diocesana

A Igreja, ao promover a consulta sinodal, abriu novos horizontes, favorecendo o encontro, a escuta, o acolhimento e o caminhar juntos. O povo revê-se neste processo, apesar de não o entender totalmente, por não ser uma prática habitual. Reconhece-se que já há espaços e oportunidades de diálogo, mas reclama-se um maior investimento de pessoas e meios para o ministério da escuta e do acolhimento (n. 23).

Aponto apenas alguns dos números que nos dizem respeito e que foi o sentir dos participantes, e aos quais devemos dar a devida atenção.

1º Para que o projeto do Reino de Deus na sua visibilidade eclesial incarne na cultura atual com significado e sentido para todo o Povo de Deus, é necessário iniciar processos e caminhos de renovação e de reforma: conversão pessoal de cada batizado; renovação das estruturas e dos mecanismos que garantem a comunhão e a participação de todos na missão, que passa pela escuta atenta do que o Espírito diz à Igreja, e consequente discernimento para encontrar novos modos e meios para que o Evangelho seja comunicado e vivido com alegria.

2º A implementação dos conselhos pastorais nas paróquias e o seu adequado funcionamento exige conversão aos sacerdotes e que tenham tempo e disponibilidade para o ministério da escuta (nº 39).

3º A necessidade de haver maior unidade entre os padres (bispo) e um maior trabalho em rede como testemunho de vida em comunhão (nº 40).

4º Temos de definir critérios e fazer opções pastorais com os diferentes grupos, refletidos e decididos em conselho pastoral, para combater a improvisação e o individualismo. Só assim a pastoral será missionária e sinodal (nº 42).

5º O caminho de santidade pede que se “promova o gosto pela oração. A espiritualidade cristã não se reduz à vida de oração, mas alimenta-se dela”. Daqui o apelo a fazermos o nosso retiro anual nos dias 4 ao 8 de julho e, sendo possível, com os outros sacerdotes do nosso presbitério. Como foi já anunciado virá ajudar-nos o Senhor D. Nuno Almeida, bispo auxiliar de Braga. Conto convosco para melhorarmos a participação em número de sacerdotes (nº 55).

Queridos sacerdotes e diáconos:

O tempo que vivemos é aquele que Deus nos deu para sermos pastores do rebanho que nos foi confiado. Vivamos com alegria a pertença a este povo santo de Deus e façamos da nossa vida uma oferta agradável ao Senhor, por este mundo que Deus ama e ao qual fomos enviados.

Senhor Jesus Cristo,
Vós que nos ensinastes a ser misericordiosos como o Pai celeste,
e nos dissestes que quem Vos vê, o vê a Ele.
Enviai o Vosso Espírito e consagrai-nos a todos com a sua unção
para que a Vossa Igreja possa, com renovado entusiasmo,
levar a Boa Nova aos pobres,
proclamar a liberdade aos prisioneiros e oprimidos
e restituir a vista aos cegos.
Jesus manso e humilde de coração,
fazei o meu coração semelhante ao vosso.
Amen.

Aveiro (Seminário), 24 de junho de 2022.

† António Manuel Moiteiro Ramos