Qui. Jun 19th, 2025

Comunidade de amigos de Jesus – Homilia na Solenidade de Santa Joana

«Eu sei que posso contar com todos e cada um de vós para caminhardes comigo, enquanto como Igreja, como comunidade de amigos de Jesus e como fiéis continuamos a anunciar a Boa Nova, a anunciar o Evangelho» (Papa Leão XIV).

Estas palavras pronunciadas pelo Papa Leão XIV no início da homilia da passada sexta-feira na Capela Sixtina com os cardeais presentes na Eucaristia refletem um pouco o seu estilo de vida como missionário, frade da Ordem de santo Agostinho e pastor de uma diocese e agora sucessor de Pedro: caminhar juntos em comunidade de amigos de Jesus e anunciar o Evangelho.

Hoje celebramos a festa de Santa Joana Princesa, nossa padroeira, e estes dois traços da sua vida como cristã e monja da ordem de S. Domingos estão bem presentes na sua curta vida: viver em comunidade de amigos de Jesus e tudo fazer para que Ele seja mais conhecido e amado.

O Memorial da Infanta Santa Joana refere que «a dita Senhora Infanta começou a prosseguir com mui grande fortaleza e fervor do seu espírito a missão que tinha tomada como verdadeira e nunca vencida batalhadora de Cristo Jesus, a que toda se tinha dado. E com muito ardente desejo seguia todos os lugares da comunidade, seguindo muito devotamente de noite e de dia o coro e ofício divino, rezando e cantando com as outras irmãs e estando na cadeira das noviças segundo o seu grau, estando à estante com elas, indo e vindo como a mais pequena delas, inclinando e fazendo tudo muito inteiramente sem em nenhuma coisa falecer» (fol. 70 r a). O amor para com o seu Amado fazia que «cada vez mais se acendia seu espírito e alma em amor divino e caridade fraternal, em tal modo que por obras e falas e grande zelo e desejo da salvação das almas parecia arder em chama de caridade e dar a si mesma por todos se salvarem e irem à glória eterna» (fol 85 v a).

            A palavra de Deus que foi proclamada nesta Eucaristia remete-nos para a construção de um novo céu e de uma nova terra, onde todas as coisas são renovadas, o conhecimento de Jesus Cristo é fundamental, como bem supremo da nossa vida e de um tesouro que devemos descobrir para dar sentido à nossa vida.

  Este foi o caminho de Santa Joana e deve ser também o nosso. Jesus não só anuncia e propõe o Reino de Deus, como convida ao seguimento, a entrar no seu modo de ser, de pensar e de agir. Saber-se chamado pessoalmente por Deus é a experiência chave de toda a vocação e de todo o projeto de vida. Este seguimento nasce do encontro pessoal com o Ressuscitado, num dinamismo de conversão, entrega e renúncia.

A ação de Jesus, que prega e cura, põe em evidência a necessidade de uma evangelização que se faz não apenas da Palavra anunciada, mas da Palavra vivida e testemunhada. Ele continua a vir todos os dias ao nosso encontro como o Ressuscitado, para nos convidar a caminhar para um horizonte sempre novo. «Se Ele vive, isso é uma garantia de que o bem pode triunfar na nossa vida e de que as nossas fadigas e trabalhos servirão para qualquer coisa» (CV 127). Devemos viver com a certeza de que Cristo caminha a nosso lado.

O encontro com Jesus, que os primeiros discípulos reconheceram e proclamaram Messias e Senhor, faz nascer e alimenta a fé nele. Professar a fé não é, pois, «um facto privado, uma conceção individualista, uma opinião subjetiva, mas nasce de uma escuta e destina-se a ser pronunciada e a tornar-se anúncio» (cf. LF 22). É a este anúncio que os cristãos são chamados.

No discurso aos cardeais de sábado passado, o Papa Leão XIV delineou os princípios que estão na base do seu pontificado e que vêm na continuação do primeiro grande documento do Papa Francisco A Alegria do Evangelho: o regresso ao primado de Cristo no anúncio da Boa Nova (cf. n. 11); a conversão missionária de toda a comunidade cristã (cf. n. 9); o crescimento na colegialidade e na sinodalidade (cf. n. 33); a atenção ao sensus fidei (cf. nn. 119-120), especialmente nas suas formas mais próprias e inclusivas, como a piedade popular (cf. n. 123); o cuidado amoroso com os marginalizados e os excluídos (cf. n. 53); o diálogo corajoso e confiante com o mundo contemporâneo nas suas várias componentes e realidades (cf. n. 84; Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 1-2).

Trata-se, diz o Papa Leão XIV, de princípios do Evangelho que sempre animaram e inspiraram a vida e o agir da Família de Deus, valores através dos quais o rosto misericordioso do Pai se revelou e continua a revelar-se no Filho feito homem, última esperança de quem procura com sinceridade a verdade, a justiça, a paz e a fraternidade (cf. Bento XVI, Cart. enc. Spe salvi, 2; Francisco, Bula Spes non confundit, 3).

Justamente por me sentir chamado a seguir nessa linha, pensei em adotar o nome de Leão XIV. Na verdade, são várias as razões, mas a principal é porque o Papa Leão XIII, com a histórica Encíclica Rerum novarum, abordou a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial; e, hoje, a Igreja oferece a todos a riqueza de sua doutrina social para responder a outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho.

Estes são os valores a que somos chamados a viver: defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho nesta nova sociedade que nos há tocado viver e na qual devemos ser sal que dê sabor a este mundo e fermento para o transformarmos.

Peçamos à nossa Padroeira que junto de Deus interceda por nós e que saibamos imitá-la no amor à nossa terra e às suas gentes, através do compromisso da nossa vida em favor da dignidade humana, da justiça social e na defesa de um trabalho digno para todos. Amen.

Aveiro, 12 de maio de 2025.

+ António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro