Seg. Abr 28th, 2025

Maria dirigiu-se a toda a pressa…

12 de setembro de 2021

1. O anúncio do Deus de Jesus

O texto do profeta Isaías, que escutámos na primeira leitura, faz referência ao sofrimento do povo de Deus, que se encontrava no exílio da Babilónia, longe da sua terra. O Servo Sofredor a que se refere o IV cântico do Servo de Javé é o próprio Jesus, que foi maltratado e como um cordeiro é levado ao matadouro.

Jesus, ao morrer na cruz, mostra quanto Deus ama todas as pessoas, independentemente das razões que elas dão para serem amadas e apresenta-nos a razão para amar e o caminho em direção à vida verdadeira. O caminho de Jesus passa necessariamente pela morte… e morte de cruz. A cruz, como uma Boa Nova e como sinal de identidade do cristão, marca o estilo de vida que guiou Jesus ao longo da sua existência terrena. Digamo-lo de outra forma: a Cruz que nos salva não é o madeiro, mas a humanidade de Jesus na qual Deus incarnou e foi cravada no madeiro da cruz. Quem salva é o Crucificado e não a cruz. Assim é o Deus dos cristãos: um Deus débil, que não tem outro poder senão o seu amor incondicional.

Quem é discípulo de Jesus aceita o sofrimento como uma experiência transformadora – este é o Deus que nós anunciamos. Sentir que a pessoa de Jesus alimenta, fortalece e consola é fazer a experiência de encontro com Ele na vida.

2. Maria dirigiu-se a toda a pressa…

A grandeza de Maria apenas se compreende no mistério de Cristo. Após a Anunciação, Ela vai a casa de Isabel para a ajudar e estar com ela. Quando se encontram, João Batista exulta no seio de sua mãe, Isabel, e esta exclama: De onde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor?

Isabel louva o Senhor e profetiza acerca de Maria, de tal modo que faz com que exclame: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre” (Lc 1,42). O “sim” de Maria dado na Anunciação é a porta pela qual Deus entra na nossa história, assumindo a natureza humana. Maria ao dirigir-se apressadamente para a montanha, para a casa de Isabel, é portadora da Boa Notícia de um Deus que se fez homem, como um de nós. Maria é aquela que nos traz e apresenta Cristo, a quem somos chamados a receber com a mesma alegria de Isabel. Mesmo sem compreender todo o mistério do seu Filho, ela ousou fazer memória, guardando todos os acontecimentos em seu coração (cf. Lc 2,51). Reflete no seu coração a ação de Deus na história; sabe escutar, meditar e cultivar a Palavra, encaminhando cada um de nós para Cristo.

Maria dirigiu-se “apressadamente” devido à alegria que transbordava no seu coração. Revela a todos os seus filhos o rosto materno de Deus, no qual experimentamos a força do seu amor para com a humanidade. O Papa Francisco ao anunciar a Jornada Mundial da Juventude, a realizar aqui em Portugal, com o lema “Maria levantou-se e partiu apressadamente” (Lc 1,39), convoca os jovens a serem portadores desta novidade: Deus ama-nos, Jesus vem salvar-nos dando a vida por nós; Ele está vivo para nos acompanhar. Mas pede-nos a coragem para nos deixarmos transformar.

No silêncio do caminho, Maria não esquece a missão que tem pela frente. Remete-nos para a escuta da Palavra de Deus, para na sua contemplação nos dirigir para a ação. A sua atitude é entrega da própria vida em favor dos outros: pés a caminho e mão estendida. O “sim” dado por Maria ao Anjo, que lhe anuncia que vai ser a mãe do Salvador, exige que parta logo em missão. Esta é a imagem e o modelo da Igreja discípula missionária, Igreja em saída. Aquela que recebeu o dom mais precioso de Deus, como primeiro gesto de resposta, pôs-se a caminho para servir e levar Jesus. Maria, a corajosa e fiel servidora, não só realiza a vontade de Deus na sua vida, como orienta os outros a fazerem o que Deus lhes pede.

Peregrinar, caminhar juntos, leva-nos a sair de nós próprios e a abrirmo-nos aos outros, escutando-os e partilhando a própria existência, com o espírito missionário e sinodal que se espera hoje da Igreja. A confiança total e disponível com que os Pastorinhos responderam ao convite da Senhora do Rosário – «Quereis oferecer-vos a Deus?», «Sim, queremos!» – deve ser o motor da vida de todo o cristão. A vocação de Maria é fundamental para a renovação das nossas comunidades hoje.

Confiando-nos ao cuidado materno de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, que esta Peregrinação seja ocasião para o louvor, estímulo para, corajosa e alegremente, nos abrirmos à vontade de Deus e para a realização da nossa mudança de vida.

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Fátima, 12 de setembro de 2021

† António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro


A conversão no coração do Evangelho

13 de setembro de 2021

1. Que havemos de fazer, irmãos?

Após a vinda do Espírito Santo, na manhã do Pentecostes, Pedro pronuncia um longo discurso, no qual expõe o conteúdo básico da mensagem cristã: o primeiro anúncio da fé, que consiste em proclamar a intervenção salvadora de Deus na história da humanidade, por intermédio de seu filho Jesus. Esta salvação atinge o seu ponto culminante no acontecimento central de toda a vida cristã – a morte e a ressurreição de Jesus. Este anúncio teve tanto impacto nos ouvintes que perguntaram: «Que havemos de fazer?». Pedro convidou-os a converterem-se, a pedirem o Batismo no nome de Jesus e a receberem o dom do Espírito Santo, fonte de vida nova. O convite foi tão eficaz que umas três mil pessoas se incorporaram na comunidade cristã (At 2,14-41).

A ação evangelizadora dos primeiros cristãos tinha como objetivo levar a pessoa a transformar-se e a incorporar-se ativamente no grupo dos discípulos de Jesus, a viverem em comunhão.

A conversão, tal como é proposta no livro dos Atos dos Apóstolos, supõe que a pessoa reconheça o seu pecado e mude de vida. O apelo à conversão também se encontra no pedido que Nossa Senhora fez aos Pastorinhos na Aparição de 13 de outubro “Não ofendam mais a Deus Nosso Senhor que já está muito ofendido”. O convite à conversão está no centro da mensagem de Fátima – daí que a conversão e a penitência, bem como a adoração, sejam elementos fundamentais da mudança de vida pedida por Nossa Senhora.

2. O amor como norma de vida

A Carta aos Romanos, que escutámos na segunda leitura, diz-nos que «aqueles que o Pai de antemão conheceu também os predestinou para serem uma imagem idêntica à imagem do seu filho, o primogénito de muitos irmãos».

O estilo de vida proposto por Jesus manifesta-se em algumas recomendações que explicitam como se deve viver o mandamento do amor: O amor faz o bem. «Que o vosso amor seja sincero. Detestai o mal e apegai-vos ao bem. Sede afetuosos uns para com os outros no amor fraterno; adiantai-vos uns aos outros na estima mútua (Rm 12,9-10). A imagem que brota desta exortação é a de uma comunidade que acolhe a todos, que se preocupa com cada um nas suas necessidades e que se mantém unida pelo amor fraterno.

A centralidade do amor na vida das comunidades dos discípulos de Jesus deu lugar a formas muito concretas de ajuda social. A preocupação pelos necessitados, a atenção aos doentes, o acolhimento aos estrangeiros e refugiados, a assistência aos presos, o cuidado dos mais pequenos e débeis sempre fizeram parte do discipulado cristão. Esta relação pessoal e a experiência vital das obras de amor que praticavam foram para muitos o caminho para descobrir a verdade do Evangelho e a motivação inicial para o acolher. Tendo em conta a situação dramática dos nossos irmãos do Afeganistão, somos interpelados a viver o amor mútuo, como forma essencial do ser cristão.

3. O anúncio de Jesus

O que significa seguir Jesus? Seguir Jesus é manter com Ele uma profunda intimidade. Aquele que o segue sente-se uma pessoa atraída, maravilhada por aquilo que Ele é. À medida que a relação vai amadurecendo, a pessoa de Jesus penetra no coração e instala-se precisamente no centro da vida. Sem uma profunda intimidade com o Senhor não há seguimento autêntico. Não basta que a sua mensagem nos pareça excelente e digna de ser anunciada. Não basta que o seu programa seja mobilizador. É a pessoa do Senhor que, sendo foco de atração e de amor, suscita seguimento. Ele é a luz que veio ao mundo, para que todo aquele que nele crê não ande na escuridão.

O convite de Jesus a que o sigamos inclui um convite a que nos integremos no seu projeto. Não há seguimento de Jesus sem missão a cumprir. Quem julga que é seu seguidor e não se interessa pela sua missão libertadora e salvadora, não se preocupa com os sofrimentos do povo, com a sua fome religiosa, a sua sede de Deus, o seu desejo de aprender, de rezar, de se comprometer, não é verdadeiro seguidor; vive numa ilusão, porque não há seguimento sem missão.

Recriar o mundo em Cristo é estar com Maria e o seu Coração Imaculado. Ela aparece como aquela que vive plenamente o seguimento de Jesus e é fiel às exigências feitas por Ele: ama a Jesus acima de tudo.

4. A Virgem Maria, imagem de quem se confiou ao amor de Deus

Maria é imagem de quem se confiou plenamente ao amor de Deus, manifestado e comunicado em Jesus Cristo. “Maria é grande, precisamente porque não quer fazer-se grande a si mesma, mas engrandecer a Deus” (Deus Caritas Est 41). Ela abre o caminho que a Ele conduz.

Deus pede-nos uma resposta e vem ao nosso encontro por Maria. As aparições e os apelos de Nossa Senhora, em 1917, aqui na Cova da Iria, são um sinal e um prolongamento da solicitude materna daquela que nos exorta a ouvir e a seguir Jesus. Ela continua hoje a repetir o apelo à conversão ao amor de Deus e a recomendar a adoração, a necessidade da oração, o sacrifício e a vida eucarística – os meios que transformam a vida do ser humano.

O amor a Maria, mulher atenta às necessidades e mulher de iniciativa, une-nos intimamente a Jesus e abre sempre caminhos novos. Guiados pelo seu olhar misericordioso para com as pessoas e o mundo, voltemos o nosso olhar para a nossa verdadeira vocação de discípulos. Que ela nos estimule a vencer o mal com o bem. Que ela nos acompanhe com a força da sua intercessão e o estímulo do seu exemplo, para que nada nos possa separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, coração da humanidade e do mundo. Movidos por este amor, que cada um ao regressar à sua família e à sua comunidade de fé se sinta interpelado a aceitar e cumprir o Evangelho vivo, que é Jesus.

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Fátima, 13 de setembro de 2021

† António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro


Foto: Fonte – Santuário de Fátima