Estamos hoje reunidos na Igreja mãe da nossa diocese de Aveiro para celebrarmos a Eucaristia em ação de graças pelo ministério do Papa Francisco, bispo de Roma e sucessor de S. Pedro, e também em sufrágio pela sua pessoa.
A Nota de pesar publicada pela diocese na manhã de segunda-feira, dia do seu falecimento, procurou sintetizar alguns dos aspetos pelos quais o pontificado do Papa Francisco marcou a Igreja nestes últimos doze anos e, porque não dizê-lo, a própria humanidade na defesa dos migrantes, dos pobres, a luta pela paz, indo às periferias do nosso mundo onde os excluídos da sociedade se encontram.
Para entendermos o seu magistério, é preciso partir do coração de Cristo, tal como refere a sua última encíclica sobra o amor humano de divino do Coração de Jesus (Dilexit nos, 24/10/2024). A mensagem do Evangelho é uma mensagem de transformação do coração do homem à medida do coração de Cristo, graças ao Espírito Santo. E, precisamente por isso, é também uma mensagem de transformação social, política, económica e cultural. A Igreja não proclama apenas uma mensagem espiritual, mas uma libertação do ser humano na sua totalidade.
1. Uma Igreja mais evangélica e conciliar. Uma das primeiras ações do Pontificado que sinalizou uma nova etapa na caminhada da Igreja, como parte de um longo caminho de renovação do qual o Concílio Vaticano II foi um acontecimento providencial, ocorreu na noite da sua eleição, quando ele apareceu pela primeira vez no Balcão da Basílica de São Pedro e pediu ao povo de Deus que invocasse uma bênção sobre ele, para que pudesse realizar seu ministério de acordo com a vontade de Deus. Esta foi uma característica teológica decisiva da sua ação como bispo de Roma, que extrai a sua seiva do Magistério do Concílio Vaticano II, em particular do segundo capítulo da constituição dogmática Lumen gentium: a Igreja como povo de Deus, que na sua universalidade reúne e chama todos os homens e mulheres de boa vontade, para além da sua confissão religiosa e da sua filiação à Igreja católica. A reforma da Cúria com a inclusão de mulheres em lugares de governo na Igreja e os documentos sobre a liturgia de acordo com o Missal de S. Paulo VI, concretizam este espírito conciliar.
2. Paixão pela evangelização, manifestada no encontro pessoal com o amor de Jesus que nos salva: “A primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, aquela experiência de sermos salvos por Ele que nos impele a amá-Lo cada vez mais. Com efeito, um amor que não sentisse a necessidade de falar da pessoa amada, de a apresentar, de a tornar conhecida, que amor seria? Como é doce permanecer diante dum crucifixo ou de joelhos diante do Santíssimo Sacramento, e fazê-lo simplesmente para estar à frente dos seus olhos! Como nos faz bem deixar que Ele volte a tocar a nossa vida e nos envie para comunicar a sua vida nova! Sucede então que, em última análise, «o que nós vimos e ouvimos, isso anunciamos» (1 Jo 1, 3) (EG264).
3. A importância do primeiro anúncio no encontro com Jesus Cristo: “Voltámos a descobrir que também na catequese tem um papel fundamental o primeiro anúncio ou querigma, que deve ocupar o centro da atividade evangelizadora e de toda a tentativa de renovação eclesial. O querigma é trinitário. É o fogo do Espírito que se dá sob a forma de línguas e nos faz crer em Jesus Cristo, que, com a sua morte e ressurreição, nos revela e comunica a misericórdia infinita do Pai. Na boca do catequista, volta a ressoar sempre o primeiro anúncio: «Jesus Cristo ama-te, deu a sua vida para te salvar, e agora vive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer, libertar” (EG 164).
4. As periferias como lugar de encontro com Cristo. Na sua primeira viagem à ilha de Lampedusa afirmou: “Onde está o teu irmão? A voz do seu sangue clama até Mim, diz o Senhor Deus. Esta não é uma pergunta posta a outrem; é uma pergunta posta a mim, a ti, a cada um de nós. Estes nossos irmãos e irmãs procuravam sair de situações difíceis, para encontrarem um pouco de serenidade e de paz; procuravam um lugar melhor para si e suas famílias, mas encontraram a morte. Quantas vezes outros que procuram o mesmo não encontram compreensão, não encontram acolhimento, não encontram solidariedade! E as suas vozes sobem até Deus!” (8-7-2013).
As preocupações do Papa Francisco com os descartáveis da sociedade deu origem a um movimento que se chama Economia de Francisco e tem como objetivo promover uma economia mais fraterna, justa, sustentável e ecológica. A Economia de Francisco é inspirada em S. Francisco de Assis e procura pôr em prática a doutrina social que está subjacente à exortação apostólica A Alegria do Evangelho.
O movimento foi lançado por Francisco em 2019, com o objetivo de repensar o modelo económico atual, que é baseado no lucro e na competição, em favor de um modelo mais solidário e equitativo. “Hoje devemos dizer não a uma economia da exclusão e da desigualdade social. Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social” (EG 53).
4. Uma Igreja sinodal onde todos temos lugar e voz. “Caminhar juntos – todos, todos, todos – é um processo no qual a Igreja, dócil à ação do Espírito Santo e sensível para captar os sinais dos tempos (cf. GS, 4), se renova continuamente e aperfeiçoa a sua sacramentalidade, para ser testemunha crível da missão a que é chamada, para reunir todos os povos da terra no esperado único Povo quando, no final dos tempos, o próprio Deus nos sentará no banquete por Ele preparado (cf. Is 25, 6-10) (Discurso inaugural do Sínodo de 2024).
Cerca de quarenta pessoas estarão amanhã, sábado, nas escadarias da Basílica de Santa Maria Maior e cada uma delas terá uma rosa branca nas mãos. Serão pobres, os sem-teto, os presos, os transgéneros e os imigrantes que dirão “adeus”, mas sobretudo “obrigado” a um Papa que para muitos deles foi como um “pai”.
Querido Papa Francisco:
Que a esperança que depositaste na Igreja que quer ser mais ao estilo de Jesus, nós sejamos dignos de sermos teus discípulos. Junto do Deus, rico em Misericórdia, intercede por nós e por aquele que vai ser o próximo sucessor de Pedro, para que possa responder com generosidade à pergunta de Jesus: “Tu amas-me? Senhor, tu sabes tudo; tu bem sabes que sou deveras teu amigo”.
Amen.
Aveiro, 25 de abril de 2025.
+ António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro.