Um olhar atento ao tempo que flui
Victor Bandeira*
A 29 de Julho de 2022, na igreja de Avanca, foi apresentada a publicação “Memorial Eclesiástico de Santa Marinha de Avanca”. Esta obra surge a convite do Padre José Henriques da Silva, pároco de Avanca, na própria ocasião em que recebeu os conteúdos do livro com as memórias paroquiais de Veiros, ainda este não tinha sido publicado, para que escrevesse o seu testemunho como antigo pároco de Veiros. O Padre José Henriques já tinha uma ideia de como o livro de Veiros estava a ser elaborado, mas quando viu os conteúdos, fez de imediato a encomenda de uma obra similar para Avanca, decorria o ano de 2017. Este desafio não podia ser recusado… O convite para fazer uma obra idêntica à de Veiros foi aceite de imediato e o processo de recolha de conteúdos foi iniciado, até porque já havia algum material, pois enquanto procurava os conteúdos para o livro de Veiros, sempre que encontrava algo das paróquias vizinhas, ia arquivando. O Padre José Henriques lançou uma campanha de recolha de fotografias, pedindo, no final das eucaristias, a quem tivesse fotografias de sacerdotes naturais de Avanca, antigos párocos e religiosas, as fosse entregando na secretaria paroquial para serem digitalizadas. As fotografias foram chegando e sendo devolvidas aos proprietários após a respectiva digitalização. Reuniram-se várias dezenas de fotografias e foram utilizadas as mais representativas de cada religioso, pese embora de alguns, principalmente dos mais antigos, já não se conseguirem fotografias, tendo-se recorrido às que se encontravam nos memoriais das sepulturas. Percebeu-se, com esta campanha de recolha de fotografias antigas, que muitos dos espólios dos sacerdotes tinham desaparecido com o tempo. Algumas pessoas acabaram por informar que se lembravam de ver fotografias de sacerdotes, mas que acabaram por desaparecer ou queimar documentos e fotografias antigos, porque não lhes reconheciam utilidade prática naquele tempo. Outros casos houve em que os espólios fotográficos eram muito ricos, havendo até fotografias da região, feitas por esses sacerdotes, e que retratavam a época e os lugares por onde passavam.
Tal como aconteceu com a obra escrita para Veiros, também para Avanca foram dedicadas muitas horas a folhear, a procurar e a recolher elementos sobre os sacerdotes naturais e os seus párocos, tendo conseguido recuar até ao ano de 1586, mais 26 anos do que tinha conseguido recuar para Veiros. Embora de uma forma muito pouco legível, em Avanca já se faziam assentos de baptismos, casamentos e óbitos no final do século XVI.
Nas páginas do livro, foi revelada, pela primeira vez, a cronologia dos párocos de Santa Marinha de Avanca, assim como o elenco dos sacerdotes naturais da paróquia e as religiosas mais recentes, tanto quanto foi possível recuar no tempo. Apresentaram-se passagens da vida de alguns sacerdotes que, de alguma maneira, marcaram a História da paróquia, como o presbítero responsável pela construção da actual igreja (que veio a substituir a primitiva, que caiu em ruínas, no primeiro quarto do século XVIII), o Padre António de Oliveira Fraião (século XVIII), e de outros sacerdotes responsáveis pela construção de algumas capelas e casas nobilitadas. Expuseram-se outros, que se destacaram pelo desempenho de funções de alto nível na Igreja, como Visitadores do Bispado do Porto, sendo exemplo deste serviço o Padre Francisco de Paula de Sá Farinha, no século XIX, ou como Comissários do Santo Ofício, como são exemplos os Padres Francisco Guedes de Sousa, no século XVII, e João de Resende Fragoso, no século XVIII, e outros até com responsabilidades políticas na Junta de Freguesia e Câmara Municipal, como o Padre António Maria de Pinho, que, no século XX, exerceu o cargo de Presidente da Câmara Municipal de Estarreja. Outros houve que foram impulsionadores na missionação ad gentes em Cabo Verde, como o Padre João de Oliveira Valente, no século XVII, ou o Cónego Duarte Franco da Silva, que fez parte do Cabido daquela Sé, no século XVIII. Distintos sacerdotes que foram reitores da paróquia de Avanca, ou daí naturais, a quem foram atribuídos os títulos de Monsenhor ou Cónego dos Cabidos das Sés de Aveiro (Monsenhor Manuel José Amador Fidalgo, no século XX), do Porto (Cónego Francisco de Paula de Sá Pereira Ferraz, no século XIX, Monsenhor Boaventura Valente de Matos, no século XX), de Beja (Cónego António Rebelo dos Anjos, Cónego José Maria Pais, ambos no século XX) e de Évora (Monsenhor Pantaleão José Costeira, Cónego António Henrique de Freitas Guimarães, Cónego Salvador Dias Terra, no século XX, e o Cónego Mário Tavares de Oliveira, já neste século XXI). Enfatizou-se um caso especial em que um missionário redigiu dicionários para tradução de línguas nativas moçambicanas, sendo o caso do Padre Alexandre Valente de Matos, no século XX. Além disso, as descrições dos funerais dos sacerdotes nos recortes de jornais da primeira metade do século XX ou das Missas Novas, que envolviam grande logística e aparato, são também muito peculiares e curiosas.
O livro enfatiza os sacerdotes contemporâneos e que vivem o seu quotidiano em várias localidades portuguesas e além-fronteiras, dando destaque a algumas das suas virtudes heróicas, missionárias e de extraordinários testemunhos de vida, que inspiram muita gente a viver como verdadeiros cristãos. Os parágrafos dedicados ao actual Reitor de Avanca, por exemplo, não fazem jus ao palmarés do apostolado, dos feitos e das obras que deixa bem alicerçados naquela vila de Avanca.
O livro ainda regista religiosas de enorme vulto que tiveram papéis importantíssimos no funcionamento do Santuário de Fátima, como a fundação dos Servitas de Fátima por uma religiosa proveniente de Avanca. Fica-se ainda a conhecer a obra do apostolado e da missão de cada religiosa, «que tocam as chagas que mais ninguém quer tratar, que cuidam daqueles que mais ninguém quer cuidar, que ensinam aqueles onde mais ninguém quer chegar para ensinar, que estão nas chamadas periferias de que tantas vezes ouvimos dizer pela boca do Papa Francisco».
No final deste memorial eclesiástico de Avanca ainda se revelam alguns apontamentos históricos sobre a paróquia, alguns acontecimentos, o seu património e as suas gentes. A título de curiosidade, divulga-se a existência de uma galilé na igreja primitiva de Avanca, através da descrição dos locais exactos dos enterramentos presentes nos assentos de óbitos do século XVII. Descobriu-se, ainda, que faleceram vários homens de Avanca na fronteira entre Portugal e Espanha durante a Guerra da Restauração, também no século XVII. Apresenta-se o desenho decorativo do retábulo-mor e sanefas das janelas para a nova igreja de Avanca, do século XVIII. A descrição da vila no Dicionário Geográfico de 1747 e nas Memórias Paroquiais de 1758 também ali se encontra transcrita.
O livro pode ser adquirido na Secretaria do Centro Paroquial de Avanca.
Por todo este legado de glória, abençoado pela Virgem e Mártir Santa Marinha, padroeira da Igreja de Avanca, é este livro, por isso, memória agradecida aos antepassados, homenagem reconhecida aos contemporâneos e à alma do Povo de Avanca!