Ter. Fev 18th, 2025
As leis da cidade | Espaço dedicado a textos sobre legislação

Tiago Azevedo Ramalho

– 5. Cont. Antes da «ponderação» de valores. Alemanha. – Mas mais impressivo ainda é o modo como, na Alemanha, o respectivo Tribunal Constitucional Federal, pelo Acórdão de 28 de Maio de 1993, se debruçou sobre a temática do aborto. Sublinha-se: em 1993, duas décadas após Roe vs. Wade.

Lê-se no sumário (excerto):

  1. «1. A Lei Fundamental [Grundgesetz, GG = Constituição] obriga o Estado a proteger a vida humana, mesmo a por nascer. Este dever de protecção tem o seu fundamento no art. 1.º, secção 1 GG. A dignidade humana é reconhecida à vida por nascer. A ordem jurídica tem de garantir os pressupostos jurídicos do seu desenvolvimento enquanto direito à vida próprio do nascituro. Este direito à vida não se fundamenta apenas no momento da aceitação pela mãe [da gravidez].
  2. O dever de protecção da vida por nascer diz respeito a cada vida singular, não à vida humana em geral.
  3. A protecção jurídica que cabe ao nascituro vale igualmente em relação à sua mãe. Uma tal protecção é apenas possível quando o legislador lhe proíba por princípio uma interrupção da gravidez e, assim, lhe imponha por princípio o dever de manter a gravidez. A proibição de princípio da interrupção da gravidez e o dever de princípio de manter a gravidez são dois elementos inseparavelmente ligados da protecção imposta jurídico-constitucionalmente.
  4. A interrupção da gravidez tem de ser por princípio perspectivada, durante todo o período da gravidez, como contrária ao Direito e, por isso, juridicamente proibida. O direito à vida do nascituro não deve ser entregue, mesmo que por um período limitado de tempo, a uma decisão livre, juridicamente não vinculante, de um terceiro, mesmo que seja a mãe.
  5. A extensão do dever de protecção da vida humana por nascer deve determinar-se por referência, por um lado, ao significado e à necessidade de protecção do bem jurídico protegido e, por outro, aos bens jurídicos que com ele colidam. Como bens jurídicos que entram em relação com o direito à vida do nascituro devem considerar-se – decorrentes da pretensão da mulher grávida à protecção e respeito da sua dignidade humana (art. 1.º, secção 1 GG) – sobretudo o direito à vida e integridade física (art. 2.º, secção 2 GG), assim como o seu direito de personalidade (art. 2.º, secção 1 GG). (…)
  6. O Estado tem, para o cumprimento do seu dever de protecção, de lançar mão de medidas suficientes, de natureza normativa e factual, que conduzam – mediante a consideração de bens jurídicos conflituantes – a uma protecção adequada e por si eficaz (proibição de subprotecção). Para tal, é necessário um conceito de protecção que ligue elementos de protecção preventiva e repressiva.
  7. Os direitos fundamentais da mulher não se estendem a ponto de um dever jurídico de suportar a criança – mesmo que por um período determinado – poder ser eliminado em geral. As posições fundamentais da mulher conduzem, contudo, a que em circunstâncias excepcionais seja admissível, em muitas mesmo imposto, não impor um tal dever jurídico. É tarefa do legislador determinar tais circunstâncias excepcionais em singular de acordo com o critério da insuportabilidade [«Unzumutbarkeit»]. Para o efeito, tem de haver sobrecargas tais que exigem uma tal medida de autosacrifício dos próprios valores vitais que não possa ser esperado da mulher.
  8. A proibição de subprotecção não autoriza a que se renuncie ao emprego do Direito Penal e à eficácia de protecção para a vida humana que daí advém.
  9. O dever de protecção estadual abrange também a protecção de perigos que resultam para o nascituro de influências do meio familiar ou do meio social mais amplo da grávida ou das expectáveis relações de vida da mulher e da família e que podem ter uma eficácia negativa na predisposição para manter a gravidez.
  10. O mandato de protecção obriga ainda o Estado a manter viva na consciência geral a pretensão de protecção jurídica da vida por nascer.
  11. Ao legislador não está em princípio vedado jurídico-constitucionalmente transitar para um conceito de protecção da vida por nascer em que, na fase inicial da gravidez, havendo conflitos, se coloque o acento no aconselhamento da mulher grávida de forma a tentar ganhá-la para manter a gravidez, e em que se renuncie a uma ameaça penal baseada em indicações e à determinação dos pressupostos da indicação por um terceiro. (…)»

A mensagem é clara: mesmo onde até se possa ter por não punível a provocação intencional do aborto, não só é admissível, como é mesmo imposta, que a perspectiva fundamental do Direito sobre esta matéria seja a de protecção da criança em gestação. Cabe, pois, apreciar mais de perto o regime legal que motivou esta apreciação do Tribunal Constitucional Federal alemão, e qual aquele que dela saiu.

 (Continua.)


Imagem de Ri Butov por Pixabay