Qua. Fev 19th, 2025
As leis da cidade | Espaço dedicado a textos sobre legislação

Tiago Azevedo Ramalho

[O texto introdutório pode consultar-se aqui.]

– 32. Saúde e ensino. O lugar do privado e do social.Embora a saúde e o ensino constituam realidades diferentes, coloca-se a respeito de ambas um problema próximo. Será ele considerado em primeiro lugar. Depois se olhará para as propostas específicas a respeito de cada uma dessas realidades.

O problema comum respeita a saber qual deve ser a natureza do prestador do serviço público de saúde e de educação. À tendencial identidade entre o serviço público (quando prestado gratuita ou a custo altamente reduzido) e prestador público propõem algumas forças políticas certas alternativas.

Da parte da IL, enfatiza-se a previsão da liberdade de escolha no âmbito da saúde (64.º, 2, a)) e do ensino (art. 75.º).

Da parte do PSD, prevê-se certa fórmula compromissória: que o direito à protecção da saúde se realize procurando a complementaridade com os serviços privado e social (art. 64.º, n.º 2, al. c), e n.º 3, al. a)); e de complementaridade se fala também no âmbito do ensino (art. 75.º, n.º 1). No mesmo sentido parecem surgir as propostas do partido Chega no âmbito da saúde (art. 64.º, n.º 4: «obrigação de celebração de protocolos com entidades privadas ou sociais sempre que se mostre necessário ao cumprimento dos deveres previstos no presente artigo») e educação (art. 75.º, n.º 1: «complementaridade do ensino público e dos ensinos particular e cooperativo, de harmonia com os princípios da liberdade e da qualidade»).

Da parte dos demais partidos deduz-se, a contrario, uma certa identificação com o status quo.

Vejamos agora as propostas específicas para cada um dos domínios. No campo da saúde, propõe-se a acrescentar-se a menção, no art. 64.º, n.º 3, al. a), à medicina paliativa/ cuidados paliativos (IL, PSD, PS, Chega, PAN, BE), aos cuidados continuados (IL) e à medicina reprodutiva (PS, Chega, PAN). Será de acompanhar o modo como se concretiza o que se entende por medicina reprodutiva. O PAN e o BE acrescentam ainda a saúde mental. Estamos diante de propostas que, na sua globalidade, acompanham as renovadas exigências que se vêm fazendo ao sistema de saúde. Ainda no âmbito da saúde, assinala-se a proposta, do PCP e do BE, de previsão da gratuidade (e não tendencial gratuidade) do sistema nacional de saúde (art. 64.º, 2, a)), e, agora só da parte do PCP e de novo demonstrando uma forte atenção à realidade, a proposta de se prever a incumbência do Estado, não só de «estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência», conforme já consta do texto da Constituição, mas também do alcoolismo (art. 64.º, 3, al. b)).

No que respeita à educação, e colocada de parte a já discutida questão do prestador, é clara e uniforme a tendência: a expansão do sistema de ensino. Prevê-se o ensino geral e universal pré-escolar (IL, PCP, PS, BE), e mesmo de creche (BE).

– 33. A protecção do ambiente. – Finalmente, aos temas clássicos do pão, da habitação, da saúde e da educação, acrescenta-se o reforço da protecção do ambiente e matérias conexas: clima, ambiente, sustentabilidade ecológica, protecção animal, etc. Empenham-se especialmente neste domínio o BE (art. 66.º, n.º 2, além de um art. 30.º, nn.º 10 e 11, a prever o direito de asilo por razões climáticas, e de novos artigos 66.º-A, de defesa da natureza, e 72.º-A, de protecção animal), o PAN (nova redacção do art. 66.º) e o Livre (nova redacção do art. 66.º, 2). Diante da enorme importância que adquiriu o tema da protecção ambiental, afigura-se oportuna a proposta, surgida da parte do PAN, de os direitos económicos, sociais e culturais passarem a designar-se direitos económicos, sociais, ambientais e culturais.

Assinale-se, por fim, duas propostas próximas da temática ambiental: a de se prever um direito à alimentação e nutrição adequadas (64.º-A PS e L); e a protecção do acesso à água (66.º-A PCP; 66.º, n.º 3 PS; 64.º-A BE; 64.º-B L).

– 34. Outras propostas de alteração ao texto constitucional.Referimos, no princípio destas reflexões (n.º 3), que o seu propósito era realizar uma análise às propostas de alteração aos primeiros 79 artigos da Constituição, correspondentes ao preâmbulo, princípios fundamentais e parte I. Cabe agora mencionar, antes de realizada uma valoração final sobre o sentido dos projectos de alteração, algumas propostas mais circunscritas que, embora certamente relevantes, não houve oportunidade de mencionar nos segmentos temáticos que orientaram até ao momento a escrita destas linhas.

Muito oportuna parece ser a proposta do PS de levar ao texto constitucional os chamados «serviços de interesse económico geral», prevendo-se a sua prestação em condições de universalidade, igualdade e equidade (art. 60.º, n.º 4). Nomeia especificamente os serviços de fornecimento de água, de saneamento, de energia, de transportes coletivos urbanos, de telecomunicações e de correios (art. 60.º, n.º 5).

Da parte do PCP surgem propostas incidentes sobre a condição militar. Por um lado, passando a autorizar-se a prisão a militar «apenas em tempo de guerra ou no decurso de missões militares» (art. 27.º, n.º 3, al. d)); por outro, aditando-se uma nova norma a respeito da protecção de antigos combatentes, especialmente os «deficientes militares» (art. 73.º-A).

Da parte do Bloco de Esquerda, surge a previsão de que entre os fins da política de juventude esteja a promoção do respectivo bem-estar (art. 70.º, n.º 2).

Finalmente, duas últimas propostas com o seu quê de pitoresco: a proposta da IL de revogar o regime do direito de antena (revogação dos nn.º 1 e 2 do art. 40.º)… e a preocupação do Livre em reconhecer no texto constitucional «a existência secular da língua mirandesa no território português» e o apoio à «sua preservação e desenvolvimento» (art. 73.º, n.º 5).


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