Sex. Mar 28th, 2025
‘Subindo o Monte’ – rubrica dedicada ao pensamento e escritos de autores carmelitas
(Parceria com o Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro)

Isabel da Trindade, tributária de João da Cruz

 

1. Logo que começamos a ler os escritos de Isabel, damo-nos imediatamente conta que ela se move na órbita teresiano-sanjoanina da interioridade.

Isabel procura favorecer continuamente a capacidade e atitude de entrar em si mesma e considerar e viver as riquezas interiores, a capacidade e atitude de se encontrar com Deus no próprio coração e de se encontrar verdadeiramente consigo mesma; isto pode chamar-se também capacidade de solidão com Deus, ser capaz de aguentar a solidão com Deus, as suas altíssimas temperaturas, que se converte facilmente na companhia e convivência com Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

2. Teresa e João da Cruz – pais e mestres de Isabel – fundam sobre isto muitíssimas páginas dos seus livros e sobre isto fundamentaram a sua vida cristã, religiosa e espiritual e sobre isto chamam continuamente a atenção no caminho para Deus. Evangelizam a presença de Deus em nós, anterior a qualquer raciocínio humano.

3. Isabel d Trindade serve-se muito mais dos escritos de João da Cruz que dos de Santa Teresa de Jesus. O livro do Santo que mais cita é o Cântico Espiritual. Esta predilecção – sobretudo se percorrermos os lugares em que refere palavras, ideias de João da Cruz – mostra como se fixava nos textos sanjoaninos mais alusivos à interioridade, a procurar a Deus em si, etc. Nada disto é de estranhar. Ao estar tão sensibilizada com a realidade de inhabitação, e da consequente busca e interiorização constante, procurando combater a dispersão, a desagregação, a superficialidade, não é de estranhar que sintonizasse especialmente com essas passagens sanjoninas mais significativas.

4. Temos um exemplo no Céu na fé. Cada uma das meditações abre com um texto bíblico, e à volta dessa palavra de Deus vai tecendo a reflexão com meditações pessoais entrelaçadas com outros textos bíblicos.

A primeira destas meditações apoia-se na oração sacerdotal de CRISTO: «Pai, quero que onde eu estiver, aqueles que vós me destes, aí estejam comigo, a fim de que contemplem a glória que me haveis dado, porque me amastes antes da criação do mundo» (Jo 17, 24).

5. Depois de afirmar claramente o nosso trabalho e a nossa morada no tempo e na eternidade, cita imediatamente a João da Cruz.

«Importa, pois, saber onde devemos viver com Ele para realizar o seu sonho divino. “O lugar onde o Filho de Deus está escondido é o seio do Pai, ou a Essência divina, invisível a todo o olhar mortal, inacessível a toda a inteligência humana” (CB 1, 3), o que fazia dizer a Isaías: «Vós sois verdadeiramente um Deus escondido (45, 15: o mesmo santo cita em CB 1, 3 este texto do profeta).

Isabel encerra beste texto sanjoanino toda a sua doutrina, pois o Cântico Espiritual não é senão buscar e buscar constantemente a Deus escondido na alma e, quanto mais se encontra mais se busca, mas sempre num processo de interiorização, de encontro e reencontro, de sentimento de ausência e de presença, pois não há dúvida de que o mal de ausência, o sentimento de ausência, é sinal inequívoco de presença.

6. Passado um ano da sua entrada no Carmelo menciona com delicadeza a João da Cruz numas das suas cartas: «Como n’Ele o tempo corre veloz! Faz um ano que Ele me introduziu na arca abençoada e agora, como diz o bem-aventurado Pai, São João da Cruz no seu Cântico: «A rolinha Nas margens verdejantes encontrou O tão desejado companheiro!» Sim, encontrei Aquele que a minha alma ama, esse Único Necessário, e mais ninguém mo pode arrebatar».

Congratula-se com um noviço carmelita descalço que vai encontrando no espírito da Ordem tantas riquezas espirituais e diz-lhe: «São João da Cruz, o nosso bem-aventurado Pai, escreveu sobre isto páginas divinas, no seu Cântico e na sua Chama Viva de Amor; este querido livro faz a alegria da minha alma, que nele encontra um alimento inteiramente substancial». O elogio destas duas obras contrasta com o facto de não ter lido nem Subida do Monte Carmelo nem a Noite Escura. Tendo passado tão poucos anos no convento não é de estranhar que não conseguisse ler e estudar estas últimas duas obras.

7. Ao referir-se ao tema da interiorização volta sempre ao Cântico. Numa carta a uma amiga exorta-a a viver na maior intimidade com Deus e oferece-lhe um fragmento: «Escute o que nos diz o nosso Pai, São João da Cruz e, por conseguinte, seu Pai também, já que é exactamente minha irmãzinha: “Ó mais bela das criaturas, alma que desejais tão ardentemente conhecer o lugar onde se encontra o vosso Bem-Amado, para o procurar e vos unirdes a Ele, sois vós própria o refúgio onde Ele se abriga, a morada em que se esconde. O vosso Bem-Amado, o vosso Tesouro, a vossa única Esperança está tão perto de vós que Ele habita em vós mesma; e, a bem dizer, não podeis estar sem Ele!”».

8. Cada vez que cita o «nosso São João da Cruz» Isabel fica de ânimo levantado. Nesta carta procurou «carmelitanizar» a sua amiga. Noutra quer fazê-lo com o abade Chevignard: «Leio neste momento páginas muito belas do nosso bem-aventurado Pai São João da Cruz sobre a transformação da alma nas três Pessoas divinas. Senhor Abade, a que abismo de glória somos chamados! Oh! compreendo os silêncios, os recolhimentos dos santos que já não podiam sair da sua contemplação; também Deus os podia levar aos cumes divinos em que o “um” se consume entre Ele e a alma tornada esposa no sentido místico da palavra. O nosso bem-aventurado Pai diz que, então, o Espírito Santo a eleva a uma altura tão admirável que a torna capaz de produzir em Deus a mesma aspiração de amor que o Pai produz com o Filho, e o Filho com o Pai, aspiração que não é outra senão a do próprio Espírito Santo! E dizer que o santo Deus nos chama, pela nossa vocação, a viver nestas santas claridades! Que mistério adorável de caridade!».

9. Isabel elogia o Cântico Espiritual e a Chama de Amor viva bem como os Ditos de Luz e Amor do Santo. Oferecidos por uma sua amiga, agradece-os delicadamente: «Obrigada também pelas Máximas do nosso Pai, São João da Cruz, que fazem as delícias da minha alma. Que tesouro que me enviou, e como estou feliz por o ter à mão e por aí poder beber em todas as minhas necessidades!».

10.Resumindo: Isabel da Trindade é uma das grandes discípulas de João da Cruz, a quem cita pelo menos 180 vezes. A doutrina do Santo serve-lhe para iluminar as suas ideias sobre as realidades mais profundas da vida espiritual; para encaminhar as suas próprias experiências espirituais, para entusiasmar outras pessoas com o ideal de santidade proposto por João da Cruz e fasciná-las com as riquezas contidas na intimidade com Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Isabel deve a João da Cruz tantas luzes, e João da Cruz, por sua vez, teria que agradecer a Isabel que, ao evangelizar os crentes sobre a busca de Deus e a inhabitação da Santíssima Trindade esteja também a propagar as suas grandes mensagens de altura e profundidade.

  1. Final:

Isabel é outra das grandes mensageiras da doutrina de João da Cruz e, por meio dela, o doutor místico continua a falar e a fazer novos discípulos.

* Vicente Rodrigues. 100 Fichas sobre S. João da Cruz. Edições Carmelo, Avessadas. Pp. 123 -125.


Imagem: Isabel da Trindade