Poesia Eterna – Luz na noite escura
(Recanto de poética dedicado à obra de S. João da Cruz)
Parceria com o Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro
Fogo purificador*
Antes deste divino fogo de amor
se introduzir e unir na substância da alma
em acabada e perfeita purgação e pureza,
esta chama, que é o Espírito Santo,
está ferindo na alma,
gastando e consumindo-lhe as
imperfeições de seus maus hábitos;
e esta é a operação do Espírito Santo,
que dispõe a alma para a divina união
e transformação de amor em Deus.
E é de notar,
que o mesmo fogo de amor
que depois se une com a alma glorificando-a,
é o que antes a investe purificando-a;
e assim como o mesmo fogo
que entra no madeiro
é o que primeiro o investe
e fere com a sua chama,
enxugando-o e desnudando-o
de seus feios acidentes,
até dispor com o seu calor
a poder entrar nele
e transformá-lo em si…
Nesse exercício
a alma padece muito detrimento,
e sente graves penas no espírito,
que de ordinário redundam no sentido,
sendo-lhe esta chama muito esquiva.
Porque nesta disposição de purgação
esta chama não lhe é clara,
mas escura, pois, se alguma luz lhe dá,
é somente para ver
e sentir as suas misérias e defeitos;
não lhe é suave, mas penosa, porque,
embora algumas vezes lhe comunique calor de amor,
é com tormento e aflição;
e não lhe é deleitável, mas seca, porque,
embora alguma vez, por sua benignidade,
lhe dê algum gosto para a esforçar e animar,
antes e depois que acontece,
o salda e paga tudo com outro tanto trabalho;
não é para ela reparadora e pacífica,
senão consumidora e arguidora,
fazendo-a desfalecer
e penar no conhecimento próprio;
e assim, não lhe é gloriosa,
porque antes a põe miserável e amarga
na luz espiritual que lhe dá
do próprio conhecimento.
(CH B 1, 19 in Eulogio Pacho, As mais belas páginas de S. João da Cruz, Edições Carmelo, Avessadas p. 66.)
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