Qui. Jun 19th, 2025
‘Duas Asas’ – rubrica dedicada ao pensamento e escritos de Edith Stein
(Parceria com o Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro)

Empatia: conhecimento e comunhão

Javier Sancho*

Desde que em 1913 Edith se decidiu por aproximar-se directamente da escola fenomenológica, compreendeu que esse era o seu lugar. Embora seja certo que quando chega à Universidade de Gotinga para estudar com Husserl, o faz com a intenção de estar ali um só semestre, pronto se convence de que na fenomenologia encontrou o âmbito e o método onde poder desenvolver as suas investigações. Por isso, poucos meses depois da sua chegada à Universidade de Gotinga, solicita a Husserl poder realizar com ele a tese doutoral em filosofia. O tema escolhido foi o da empatia. Algo do qual Husserl falava nas suas aulas, mas que ainda não se tinha esclarecido profundamente.

De 1914 até 1916 Edith dedica a maior parte do tempo à realização da sua tese, alternando com outros estudos e outras actividades. Na elaboração do seu trabalho teve uma interrupção de algo mais de seis meses, enquanto durou o seu voluntariado como enfermeira num hospital de guerra. Longe de supor uma interrupção radical, a experiência e o contacto com os feridos e moribundos de guerra, enriqueceu e urgiu interiormente a necessidade de retomar e concluir o seu trabalho de tese. No dia 3 de Agosto de 1916 defende a sua tese titulada Sobre o problema da empatia3 na universidade de Friburgo, obtendo a nota máxima.

Se queremos saber como aplicar esta realidade à leitura da Bíblia, teremos que esclarecer antes algumas das linhas mestras deste acto de conhecimento. O acto da empatia é, para Edith Stein, a atitude fundamental do caminho filosófico e do caminho religioso, porque, em definitivo, trata-se da comunicação entre sujeitos. É a base de uma comunicação autêntica. E só é possível entre seres espirituais. Mas, que é realmente a empatia? Para uma justa compreensão convém distinguir três elementos:

– Eu percebo a situação do outro (a sua vivência)

– Faço minha a sua experiência (a minha vivência da sua)

– Essa vivência que percebi no outro, percebo-a como minha vivência.

Empatizar significa a união destes três elementos, de tal modo que a finalidade do acto empático não é a do conhecimento simplesmente objectivo, mas a de compreender, a de encontrar o outro na sua situação totalmente pessoal.

A «Einfühlung» (Empatia) é um acto de conhecimento que não se confunde nem com a memória, nem com a imaginação, nem com a percepção externa, embora tenha com elas algo em comum. «Todas estas variedades de vivências de outros remetem para um género básico de actos, em cuja vivência estranha se exprime e que nós depois de considerar todas as tradições históricas ligadas à palavra, queremos designar como empatia»4. É o primeiro objectivo que Edith se propõe: «perceber e descrever estes actos numa grade generalidade de essência». Põe o seu acento na consciência do indivíduo enquanto é ela que constitui o objecto. Neste sentido, a sua visão da consciência é entendida como espírito e não como algo de ordem natural. A Empatia move-se neste campo espiritual. É um pressuposto que prepara, tanto teórica como experiencialmente – tal como acontecerá na vida de Edith –, a abertura para a experiência mística5.

A empatia entende-se com o acto por meio do qual a realidade do «outro» se transforma em elemento da experiência mais íntima do «eu»6. É um dar-se conta, na observação e na percepção, da alteridade, quer dizer, perceber a existência do «outro» e da sua experiência7. No entanto, devemos esclarecer que, essa experiência que eu faço da experiência do «outro», respeita a sua experiência como uma experiência original dele. Não é simplesmente alegrar-se ou entristecer-se porque o outro está alegre ou triste, mas ser capaz de viver a «sua alegria» ou a «sua tristeza» em si. Por meio da empatia dá-se uma relação com o mundo objectivo, isto é, com o mundo que está mais além do eu8.

Não é este o lugar para nos determos a desentranhar todo o processo epistemológico que Edith procurou realizar no seu estudo. Para o nosso propósito, basta-nos sublinhar aqui a importância da empatia. De facto, a empatia é o fundamento de todos os actos cognitivos (seja de carácter emotivo ou volitivo, de juízo ou narrativo…), graças à qual se pode captar a vida psíquica e espiritual do outro. Mais ainda, a empatia é o que justifica a possibilidade da circulação ou comunicação de experiências entre sujeitos. Mas entendida esta comunicação, não como confusão das experiências de dois sujeitos, mas enquanto é possível referir-se a algo que não sou eu, mas a realidade vivida por outro.

Precisamente por isso, a autêntica empatia não procura «desencarnar» a experiência do outro, mas procura vivê-la no sue lugar original, quer dizer, no outro; adquirindo – se queremos emotivamente – a realidade do sentir do outro. Não é estanho, por isso, que Edith Stein no estudo da empatia chegasse à conclusão de que o ser humano é um ser transcendente, quer dizer, um ser que não se esgota na sua materialidade, mas possui uma espiritualidade que o torna capaz de entrar em comunicação mais além dos limites sensoriais e materiais9. Além disso, Edith Stein considera a empatia como o fundamento para que se dê uma autêntica comunidade humana, na qual os indivíduos não simplesmente objectos, mas sobretudo e antes d tudo sujeitos de experiência capazes de entrar em comunhão sem perder a sua identidade10.

Como se indicava anteriormente, o conteúdo da experiência captada empaticamente não me pertence: é a alegria ou a dor do outro, que, no entanto, sinto e vivo na minha interioridade. Faço experiência interior de uma experiência que depois de tudo não é minha, vivo um sentimento que não é meu. Mas esta experiência tem ainda um significado mais profundo: empatizar significa alargar os horizontes da experiência do eu para os horizontes do outro, é sair do próprio egoísmo para penetrar no mundo da alteridade transcendente, e sabendo que a distinção entre o eu e o outro não desaparece. É, portanto, possibilidade de transcendência, quer dizer, capacidade de sair do próprio eu para o outro eu.

A empatia é a possibilidade de enriquecer a própria experiência11. A vivência do outro é aquilo que por norma geral nós não somos, e pode ser algo que nem vivemos e que talvez nunca teremos a possibilidade de experimentar. Penetrar nessa experiência do outro, significaria então, penetrar no que nos leva mais além, no desconhecido para mim, e que pode transformar-se num elemento mais da minha experiência, e que me leva a enriquecer a própria imagem do mundo12.

Mas uma experiência que só pode ser possível no sentir-com (sentir juntos), no desejo do outro, e que amplia e estende o próprio ser para aquilo que está mais além e que pode ser totalmente desconhecido. Este sentir-com entende-se quando persiste o sentimento empatizado e se penetra nas causas13. Neste sentido, podemos entender a empatia como energia de união com o outro, algo que está por cima do simples sentimento da simpatia. É abertura para o amor e a comunhão. De facto, embora Edith ainda não se tenha convertido ao cristianismo quando escreve esta obra, encontramos uma afirmação que aplica acto da empatia à mesmíssima relação com Deus. Embora esteja a apresentar uma hipótese, Edith pensa que a empatia é também o modo de o crente captar o amor de Deus, e o modo como Deus capta a vida do homem14. Esta única afirmação oferece-nos a importância da aplicação da empatia à leitura da Escritura.

Conforme o que vimos a dizer, haveria que entender a empatia como fundamento das relações pessoais e comunitárias com os outros e com Deus. Como afirma a filósofa italiana Luigia Di Pinto, a empatia é também a chave de uma visão optimista da realidade:

«A força vital da empatia é – na minha opinião – a chave da visão positiva que a Stein tem do mundo da vida, porque indica como uma autêntica relacionalidade empática só se pode manifestar quando construímos pacientemente, passo a passo, entre nós e o mundo, uma relação de familiaridade e de segurança, que a simbólica de um Deus de amor – como o do Novo Testamento – pode garantir e abrir. De facto, a empatia da Stein é a força vital positiva que empurra, por assim dizer, a tocar a vida que existe no outro e no Outro, e não só a prefigurar esquemas racionalistas e economistas por meio de relações de domínio ou de um sentimentalismo estéril»15.

Por meio da empatia torna-se possível a abertura amorosa enquanto capacidade de tornar presente o que sente ou vive o outro. Empatizar implica no sujeito da aceitação ou vontade de sair de si para encontrar e afrontar, inclusivamente, uma possível desproporção com o outro. De tal modo que a empatia é, além de fonte de conhecimento do outro, fundamento para o conhecimento pessoal16. Ao ver o outro descubro ao mesmo tempo o que eu não sou17.

Neste sentido, a empatia consiste, além disso, na capacidade de estabelecer um contacto vital, fundado inicialmente num intercâmbio concreto de energia vital – quer dizer, a força da vida sensível –, que constitui a base não-verbal da qual nasce o conhecimento concreto do outro, das suas vivências, do seu contexto histórico, social, político, cultural, económico e religioso; mas um conhecimento livre de preconceitos e de categorias mentais, visto que a empatia procura conhecer o outro e a sua experiência em si mesmo. Neste sentido, poderia dizer-se que a empatia exige não só fazer uso da intuição, mas sobretudo, especialmente nos adultos, leva consigo uma grande dose de «ascese intelectual» para se libertar de todos os possíveis preconceitos adquiridos, da argumentação objectiva, e da abertura ao que é diverso de mim e da minha experiência, com a consciência clara de que o mundo não se esgota no que eu conheço e vivo.

Para Edith Stein existe um sector de indivíduos melhor preparados naturalmente para pôr em acto a empatia: as crianças, enquanto ainda não foram «contaminadas» pelos preconceitos; o artista, que apresenta uma maior capacidade de sensibilidade diante da realidade18; e a mulher, enquanto o sue modo de conhecer e de pensar está mais orientado para o vivo e pessoal. Ao respeito encontramos em Edith as seguintes afirmações:

«A orientação da mulher vai para a pessoa viva e vai para a totalidade. Guardar, proteger, conservar, nutrir, alimentar, favorecer, ajudar no crescimento: esta é a sua exigência natural e substancialmente materna. O inerte, a coisa interessa-lhe principalmente enquanto serve à pessoa viva; não tanto por si mesma. Daqui depende juntamente o demais: a abstracção em todo o sentido é-lhe alheia por natureza. A pessoa viva que ocupa o seu cuidado é um todo concreto que, enquanto todo, quer ser guardado e conservado, e não uma parte em detrimento da outra ou das outras… E a esta conduta prática corresponde a teórica: o seu modo natural de conhecer não é tanto o de uma análise teórica quanto o de um modo natural de ir ao concreto, de o contemplar e sentir… À mulher… é-lhe natural e é capaz, sintonizando e entendendo, de penetrar em campos de coisas que de por si lhe são estranhas e pelas quais nunca se molestaria, se não a levasse o interesse pela pessoa»19.

Neste sentido, poderia afirmar-se que a mulher possui naturalmente uma maior capacidade de fazer uma leitura empática da Escritura, que seria mais própria do sexo feminino20.

* Javier Sancho. La Biblia con ojos de mujer. Edith Stein y la Sagrada Escritura. Editorial Monte Carmelo, 2001. Pp. 62-66.
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3 Publicada em espanhol pela Universidade Ibero-americana, México, 1995.

4 Empatia 24-25.

5 Sobre a relação estreita entre filosofia e mística na vida de Edite Stein veja-se o meu estudo: «Do ser finito ao ser eterno». A passagem da filosofia à mística em Edite Stein, em Monte Carmelo 107 (1999) 365-387.

6 Empatia 33.

7 Ib. 25.

8 Cf. ib. 51-53.

9 Cf. ib. 147 ss.

10 Cf. ib. 51.

11 Ib. 42.

12 Ib. 109.

13 Ib. 37-38.

14 Ib. 33.

15 Luigia DI PINTO, Il respiro de la filosofía in Edith Stein, Ed. Giuseppe Laterza, Bari, 1999, p. 149.

16 Edite afirma que nos conhecemos quando nos vemos por meio da analogia com o outro: Empatia 112.

17 Ib. 182-183.

18 Cf. CC 6-7.

19 O “Ethos” da Profissão Feminina, em A mulher, 30-31.

20 Edite Stein demonstrou esta capacidade em vários dos seus escritos, embora não directamente em base aos textos da Sagrada Escritura. Na sua conferência A vida cristã da mulher (em A mulher, 81-134), oferece-nos um exemplo típico de como chegar a uma compreensão fenomenológica-empática de algumas personagens em base à análise de algumas obras literárias.